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Alterações no Regime Sancionatório dos Valores Mobiliários

PUBLICAÇÕES SÉRVULO 30 Jun 2017

A Lei n.º 28/2017, de 30 de maio, que altera o Código dos Valores Mobiliários («CVM») e o Decreto-Lei n.º 357-C/2007, de 31 de outubro, que entra hoje em vigor, procede a uma reforma muito significativa do regime sancionatório dos valores mobiliários.

Num esforço de melhoria das soluções materiais e adjetivas consagradas no nosso direito interno, a presente revisão vem adaptar o regime nacional ao novo enquadramento europeu do abuso de mercado. Fá-lo:

a)     Transpondo parcialmente para a ordem jurídica nacional:

  • A Diretiva 2013/50/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2013, relativa à harmonização dos requisitos de transparência no que se refere às informações respeitantes aos emitentes cujos valores mobiliários estão admitidos à negociação num mercado regulamentado;
  • Diretiva 2003/71/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa ao prospeto a publicar em caso de oferta pública de valores mobiliários ou da sua admissão à negociação; 
  • Diretiva 2007/14/CE, da Comissão, que estabelece as normas de execução de determinadas disposições da Diretiva 2004/109/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa à harmonização dos requisitos de transparência no que se refere às informações respeitantes aos emitentes cujos valores mobiliários estão admitidos à negociação num mercado regulamentado;

 b)     Transpondo integralmente: 

  • A Diretiva 2014/57/UE, do Parlamento e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa às sanções penais aplicáveis ao abuso de mercado («MAD»);
  • A Diretiva de Execução (UE) 2015/2392, da Comissão, de 17 de dezembro de 2015, relativa à comunicação de infrações;

 E, ainda,

c)      Procedendo à adaptação do direito português ao Regulamento (UE) n.º 596/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativo ao abuso de mercado («MAR»).

Vejamos em que termos:

1. Manipulação do mercado e informação privilegiada

Em primeiro lugar, os crimes contra o mercado classicamente previstos no Código (manipulação do mercado e abuso de informação privilegiada) são, com esta revisão, objeto de pontuais alterações, passando a abranger novas tipologias de fenómenose.g., licenças de emissão, índices de referência e contratos de mercadorias à vista (artigos 359.º e 379.º-B do CVM) –, sendo igualmente alargado o elenco de condutas objeto de criminalizaçãocf., designadamente, o alargamento da cláusula exemplificativa da idoneidade lesiva das condutas no crime de manipulação do mercado (artigo 379.º, n.º 3, do CVM), e a previsão das condutas de introdução de ordens de modificação ou cancelamento de ofertas no crime de abuso de informação privilegiada (artigo 378.º, n.º 2, do CVM).

Por outro lado, especificamente no que respeita ao tipo incriminador da manipulação do mercado, procedeu-se a um agravamento da pena em função do real contributo da conduta praticada para a alteração do regular funcionamento do mercado. Assim, nos casos em que a atuação do agente provoque ou contribua de forma efetiva para uma alteração artificial do regular funcionamento do mercado, a pena máxima aplicável passará ser – não de 5 anos – mas de 8 anos de prisão.

Especial referência entre as alterações introduzidas pela reforma merece, ainda, a introdução do novo crime de uso de informação falsa ou enganosa na captação de investimento (artigo 379.º-E do CVM), cuja conduta típica consiste na decisão ou deliberação de captação de investimento, para a própria entidade ou para entidade terceira, com uso de informação económica, financeira ou jurídica falsa ou enganosa.

Este novo tipo incriminador, de natureza específica, é punível com pena de prisão de 1 a 6 anos, e possibilidade de agravação até 8 anos, podendo responder pelo mesmo os titulares de cargos de direção ou administração:

  1. De intermediários financeiros;
  2. De entidades que detenham participação qualificada nesses intermediários financeiros; ou
  3. De entidades emitentes de valores mobiliários ou outros instrumentos financeiros.

Está-se, porém, perante a introdução de um novo tipo incriminador sem diploma europeu que necessariamente a tal obrigasse, e sem que tal política legislativa se mostre acompanhada por outros países da União Europeia. Trata-se, aliás, de crime existente em apenas três outros ordenamentos europeus (casos da Alemanha, da Itália e da Espanha). Assim, embora a DAM contenha orientações no sentido de um reforço das sanções penais, a adição ao regime nacional deste tipo criminal consubstancia uma situação de goldplating que poderá vir a ter efeitos perversos no mercado de capitais português, como seja o de desincentivar ofertas dirigidas ao mercado nacional.

Por outro lado, a reparação de danos por prestação de informação deficitária encontrava já cobertura em matéria de responsabilidade civil, nomeadamente no âmbito da responsabilidade pelo prospeto, sendo certo que, para além disso, a legislação penal existente, tanto no que respeita aos crimes de burla ou de falsificação de documentos, nos termos gerais, como de informações falsas, específico para as sociedades comerciais, abarca igualmente as situações mais censuráveis nesta matéria. Da mesma forma, muitos destes comportamentos encontram-se igualmente abrangidos pela tutela contraordenacional.

2. Agravamento das molduras sancionatórias

O catálogo de sanções das contraordenações é também objeto de modificação quanto à sua tipologia e à extensão, sofrendo um notório robustecimento ao nível dos montantes e duração das coimas.

Assim, no que respeita às sanções principais(artigo 388.º do CVM), é, desde logo, aumentada para o dobro a moldura das coimas abstratamente aplicáveis às contraordenações menos graves – que passam, respetivamente, de € 2.500,00 para € 5.000,00 e de € 500.000,00 para € 1.000.000,00.

No que concerne às contraordenações muito graves, as mesmas passam a ter como limite máximo 10% do volume de negócios, com ressalva das contraordenações resultantes de uso ou transmissão de informação privilegiada e de manipulação de mercado, que passam a ser puníveis com coima até 15% do volume de negócios da entidade infratora.

O máximo legal da elevação da coima por referência ao benefício económico obtido pelo agente é também aumentado para o triplo do benefício económico (em lugar do dobro até agora previsto), ainda que, total ou parcialmente, sob a forma de perdas potencialmente evitadas.

Por seu turno, o catálogo das sanções acessórias é igualmente alvo de alargamento, passando a contemplar também:

  1. a interdição da negociação por conta própria;
  2. o cancelamento de registos ou a revogação de autorizações para o exercício de funções de administração, direção, chefia ou fiscalização em entidades sujeitas à supervisão CMVM (artigo 404.º do CVM).

Os períodos de vigência temporal das sanções acessórias são também elevados para o dobro nos casos em que exista uma condenação anterior do agente pela prática de uma contraordenação muito grave, a título doloso, e o processo subsequente tenha também como objeto a prática dolosa de uma contraordenação muito grave.

O regime da exclusão da responsabilidade contraordenacional da pessoa coletiva é objeto de afinamento, prevendo-se agora para a exclusão dessa responsabilidade, nos casos em que o agente atue contra ordens ou instruções da pessoa coletiva, que essas ordens ou instruções sejam concretas, individuais e expressas, e hajam sido transmitidas ao agente, por escrito, antes da prática do facto (artigo 401.º, n.º 3, do CVM). 

Finalmente, a revisão consagra ainda uma nova figura de unidade de infrações (infrações sucessivas ou simultâneas), decalcada da figura do crime continuado, embora sem pressupostos de índole subjetiva (prescindindo-se, desde logo, da culpa diminuta do agente), por via da qual se estabelece que dá lugar à prática de uma única contraordenação a realização plúrima e repetida do mesmo tipo contraordenacional, executada de modo homogéneo ou essencialmente idêntico e no âmbito de um contexto de continuidade temporal e circunstancialismo idêntico (artigo 402.º-A do CVM). A solução consagrada traduz um desiderato claro de simplificação processual, passando a pluralidade de condutas a ser apreciada meramente enquanto circunstância agravante na determinação da medida da coima.

3. Alterações de índole processual e procedimental

No domínio processual, são também introduzidas alterações orientadas pelos mesmos objetivos de clarificação e simplificação procedimental.

Assim, foi clarificada a forma de registo da tomada de declarações, depoimentos e esclarecimentos de intervenientes processuais, incluindo o caso de declarações não presenciais com o recurso à videoconferência (artigo 368.º-B do CVM), assim como o regime do segredo de justiça aplicável ao processo de contraordenação, confirmando-se a sua vigência até ao encerramento da fase administrativa do processo (artigo 408.º-A do CVM).

Por seu turno, o regime da forma sumaríssima na fase administrativa do processo de contraordenação é também simplificado e estendido, vendo-se suprimidas as exigências legais de reduzida gravidade da infração e da intensidade da culpa do agente, deixando de ser necessário o acordo expresso do arguido em casos de simples admoestação e elevando-se para um quarto da coima máxima abstratamente aplicável o limite da coima concreta aplicável pela CMVM no âmbito do processo sumaríssimo (artigo 414.º do CVM).

É também objeto de intervenção o regime da prescrição do procedimento contraordenacional, elevando-se para 8 anos o prazo máximo de prescrição do procedimento nas contraordenações muito graves, e, por outro lado, consagrando-se uma nova causa de suspensão do prazo de prescrição, assente na confirmação judicial, total ou parcial, pelo tribunal de 1.ª instância ou pelo Tribunal da Relação, da decisão administrativa de condenação (artigo 418.º do CVM).

Finalmente, é consagrada uma possibilidade de atenuação extraordinária da sanção aplicável por via da introdução no CVM de um regime premial de confissão e colaboração probatória por parte do arguido (artigo 405.º-A do CVM). Tal regime traduz-se:

  1. na redução em um terço dos limites máximo e mínimo das coimas quando o arguido confesse os factos de que vem acusado, forneça informações relevantes para a descoberta da verdade ou auxilie de forma efetiva na obtenção ou produção de provas decisivas para a comprovação dos factos ou para a identificação de outros responsáveis; e,
  2. na redução para metade desses limites quando o arguido simultaneamente confesse e contribua para a comprovação dos factos ou para a identificação de outros responsáveis, nos termos mencionados.