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Concorrência e Proteção de Dados: Across the Multiverse

PUBLICAÇÕES SÉRVULO 05 Jul 2023

Não há dúvida que na cultura pop, particularmente nos filmes, os anos mais recentes foram marcados por uma tendência de criação de histórias em que as personagens principais são arrastadas para universos diferentes, muitas vezes governados por regras que lhes são estranhas.Com o acórdão do Tribunal de Justiça no processo n.º C-252/21, Meta Platforms e o., esta tendência chegou, oficialmente, ao Direito da Concorrência.

Em causa está uma decisão do Bundeskartellamt, a autoridade de concorrência alemã, que condenou a Meta Platforms e as suas subsidiárias por considerar que o tratamento dos dados dos utilizadores em causa, conforme previsto nas condições gerais de utilização das redes sociais geridas pela Meta Platforms, como o Facebook, o Whatsapp e o Instagram, consubstanciava uma exploração abusiva de uma posição dominante. Esta conclusão fundamentava-se no facto de as condições gerais permitirem o tratamento de dados recolhidos fora das suas plataformas (“off-Facebook”), em violação dos valores subjacentes ao Regulamento Geral de Proteção de Dados (“RGPD”). Por outras palavras, a autoridade de concorrência alemã considerou que uma violação dos princípios do RGPD poderia, quando praticado por uma empresa com posição dominante, equivaler a uma exploração abusiva dos utilizadores dessas plataformas. A novidade do caso deriva, portanto, da utilização de padrões normativos alheios ao Direito da Concorrência para estabelecer infrações a ele sujeitas, suscitando-se também questões de competência das autoridades nacionais de concorrência para examinar a conformidade de comportamentos com outros diplomas ou ramos do Direito.

A este propósito, esclarece o Tribunal de Justiça que “no âmbito do exame de um abuso de posição dominante por parte de uma empresa num determinado mercado, pode revelar-se necessário que a autoridade da concorrência do Estado-Membro em causa examine igualmente a conformidade do comportamento dessa empresa com normas diferentes das abrangidas pelo direito da concorrência, como as regras em matéria de proteção de dados pessoais previstas no RGPD”. Assim, o Bundeskartellamt poderia apreciar o cumprimento das normas do RGPD para estabelecer a exploração abusiva alegadamente realizada pela Meta Platforms. Contudo, o Tribunal de Justiça salvaguarda também a competência das autoridades de controlo do RGPD, afirmando que a análise destas situações será, em primeira linha, competência das autoridades de controlo e afirmando que a apreciação relativa ao cumprimento do RGPD se destina, exclusivamente, a constatar o abuso de posição dominante.

Conclui o Tribunal de Justiça, relativamente ao caso concreto, que o Bundeskartellamt poderia constatar infrações ao RGPD, sob reserva do cumprimento de uma obrigação de cooperação leal com a autoridade de controlo do RGPD. No âmbito desta cooperação leal, por exemplo, a autoridade nacional da concorrência não se poderia afastar de uma eventual decisão da autoridade de controlo do RGPD e teria, ainda, a obrigação de consultar a autoridade de controlo caso nenhum processo por infração às normas do RGPD se encontrasse em curso.

Em suma, a jurisprudência Meta Platforms estabelece um novo paradigma no que diz respeito ao controlo do cumprimento do Direito da Concorrência, permitindo às autoridades nacionais da concorrência estabelecerem infrações ao Direito da Concorrência com recurso a normas oriundas de outros ramos de Direito, sem, contudo, descurar o papel das autoridades competentes e obrigando à cooperação entre estas instituições. Este acórdão poderá, potencialmente, ter implicações para além do Direito da Concorrência, sendo legítimo questionar se este não será o novo paradigma de enforcement perante um tecido regulatório cada vez mais espesso. Embora entre nós a cooperação da Autoridade da Concorrência com as autoridades reguladoras setoriais já se encontre prevista na lei da Concorrência (artigos 35.º e 55.º da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio) e na Lei-Quadro das Entidades Reguladoras (artigo 11.º da Lei n.º 67/2013m de 28 de agosto), este acórdão vem reforçar e clarificar o âmbito possível dessa cooperação. Pelo seu lado, as empresas devem manter-se atentas, revelando-se cada vez mais necessário garantir o estrito cumprimento dos vários requisitos regulatórios.

Francisco Marques de Azevedo | fma@servulo.com

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