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A transposição da DMIF II para a ordem jurídica portuguesa: Lei nº 35/2018, de 20 de julho

PUBLICAÇÕES SÉRVULO 31 Jul 2018

Foi finalmente publicada em Diário da República a Lei nº 35/2018, de 20 de julho, que veio transpor para a ordem jurídica interna a Diretiva 2014/65/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014 (DMIF II), a Diretiva (UE) 2016/1034, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de junho de 2016 e a Diretiva Delegada (UE) 2017/593, da Comissão, de 7 de abril de 2016 e proceder à adaptação da ordem jurídica interna aos novos regulamentos europeus.

A publicação deste extenso diploma – que regula o funcionamento dos mercados financeiros e da negociação de instrumentos financeiros - ocorre tardiamente em relação ao prazo de transposição. Abaixo se descreve um conjunto das principais alterações que este diploma introduziu no Código de Valores Mobiliários.

 Âmbito de aplicação

As licenças de emissão passam a ser qualificadas como instrumentos financeiros para efeitos de aplicação deste diploma e são excluídos os produtos energéticos grossistas negociados em OTF que só possam ser liquidados mediante entrega física.

Categorização dos Clientes

O dever de categorização dos clientes é confrontado com alterações terminológicas e com modificações substanciais. Por um lado, foi substituída a dicotomia investidor qualificado/investidor não qualificado pela dicotomia investidor profissional/investidor não profissional, tendo diversas disposições normativas sido adaptadas em conformidade. Por outro lado, destaca-se a integração na categoria de investidor profissional dos organismos públicos a nível nacional ou regional que administram a dívida pública ou gerem fundos destinados ao financiamento de sistemas de segurança social ou de regimes de pensões de reforma ou de proteção de trabalhadores, e a correspondente adaptação da categoria de contrapartes elegíveis. Além disso, foi prevista a possibilidade de alteração de categoria por iniciativa do intermediário financeiro ou do cliente, quando a mudança segue um sentido de maior proteção. Finalmente, foi revogada a disposição que previa que o intermediário financeiro, nos casos em que contraparte elegível não requeria expressamente ser tratada como investidor qualificado, podia presumir que a sua intenção seria ser tratada como investidor profissional.

 Deveres de Informação

Nesta matéria, os intermediários financeiros ficam sujeitos a um conjunto adicional de deveres, destacando-se os seguintes:

-  o dever de informar o investidor sobre o mercado alvo do instrumento financeiro;

- o dever de informar o investidor sobre a proteção do património e sobre a existência inexistência de fundo de garantia ou proteção equivalente;

- o dever de informar o investidor sobre o recebimento e pagamento de remunerações, comissões e benefícios não monetários;

- o dever de informar o investidor sobre os custos e encargos, devendo esta informação abranger informação sobre os serviços de investimento, os serviços auxiliares e o modo de pagamento;

- o dever de apresentar a informação sobre os custos e encargos de forma agregada, ainda que facultando ao investidor a possibilidade de solicitar esta informação por categoria;

- o dever de comunicar, pelo menos anualmente, a informação sobre custos e encargos;

- o dever de informar o cliente sobre a possibilidade de adquirir diferentes componentes de um único pacote em separado, apresentando informação separada sobre os riscos e sobre os custos e encargos dessa opção.

  Deveres de Adequação

Relativamente aos critérios a utilizar para efeitos de avaliação da adequação, o legislador remeteu para a regulamentação e para os atos delegados da DMIF II aplicáveis nesta matéria, e esclareceu que esta deve ser realizada por referência ao pacote de serviços ou produtos na sua globalidade.

Em matéria de consultoria para investimento e de gestão de carteiras, a adequação mantém-se mais exigente, requerendo a análise da situação financeira e dos objetivos de investimento do investidor. Todavia, o legislador vem agora clarificar que os intermediários financeiros ficam obrigados a analisar a situação financeira do investidor, incluindo a sua capacidade para suportar perdas, e os seus objetivos de investimento, incluindo a sua tolerância ao risco.

Destacam-se ainda algumas alterações em matéria procedimental, exigindo-se que o investidor confirme, por escrito, a receção de uma advertência de não adequação.

 Serviços de investimento

Cumpre destacar algumas alterações referentes aos serviços de emissão, execução e transmissão de ordens e de consultoria para investimento.

O serviço de emissão, execução e transmissão de ordens viu reduzido o leque de instrumentos financeiros que, sendo objeto deste serviço, podem dispensar a obrigação de avaliação da adequação, integrando um requisito complementar para efeitos de aplicação desta dispensa - a não concessão de crédito para a realização das operações sobre instrumentos financeiros.

Por outro lado, o intermediário financeiro fica obrigado a gravar as ordens recebidas, transmitidas ou executadas por telefone e a registar a ordens comunicadas eletronicamente. Queda-se, além disso, sujeito ao dever de divulgar anualmente as cinco estruturas de negociação mais utilizadas e a qualidade de execução obtida.

Relativamente ao serviço de consultoria para investimento releva-se, para além dos requisitos já mencionados para efeitos de apreciação da adequação, a eliminação da presunção de que um investidor profissional consegue suportar financeiramente o risco de qualquer eventual prejuízo causado pelo investimento.

 Conflito de Interesses

Em matéria de conflitos de interesse saem reforçadas as políticas e os procedimentos a adotar, com efeitos nomeadamente em matéria de documentação, benefícios (inducements) e remuneração do intermediário financeiro e remuneração e avaliação de colaboradores.

 Benefícios

A proibição geral de receber determinados benefícios por intermediários financeiros admite exceções que se encontram dependentes da verificação de estritos requisitos. Estes requisitos de admissibilidade são agravados, devendo o intermediário financeiro informar o cliente igualmente sobre os modos de transferência para o investidor da remuneração, comissão ou benefício pecuniário ou não pecuniário recebido e garantir que estes, pela sua própria natureza, não suscetíveis de originar conflitos de interesses com o dever de o intermediário financeiro atuar de forma honesta equitativa e profissional, no sentido de proteção dos legítimos interesses do cliente.

 Nesta matéria refira-se ainda as novas disposições referentes aos benefícios admitidos, e as disposições especificamente aplicáveis na prestação de serviços de consultoria para investimento independente ou de gestão de carteiras. Nestes serviços, os benefícios são obrigatoriamente transferidos para o cliente, com exceção dos benefícios não monetários que nalguns casos podem ser admitidos. Além da obrigação de informar o investidor dos benefícios recebidos ou pagos, os intermediários financeiros ficam obrigado a conservar registos destes.

 Estruturas de negociação

Por fim, passa a estar prevista uma nova forma de negociação organizada – os OTF –, ficando definidas algumas limitações ao nível de negociação de instrumentos representativos de capital, assim como no tocante à possibilidade de execução de ordens contra a carteira própria.

O sistema de negociação multilateral surge igualmente modificado quanto à sua composição mínima, devendo ter pelo menos três participantes com atividade relevante.

 

 A Lei n.º 35/2018, de 20 de julho entra em vigor no dia 1 de agosto de 2018. Tendo a Lei sido publicado a 20 de julho, são reservados apenas sete dias úteis para proceder a trabalhos de adaptação, o que – perante a densidade normativa do diploma - se revela manifestamente insuficiente.

 

Sara Guerra

sfg@servulo.com

 

 

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