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Chegou o Simplex Ambiental: o Decreto-Lei n.º 11/2023

PUBLICAÇÕES SÉRVULO 10 Fev 2023

I. Enquadramento

Simplificação é a palavra de ordem. Numa ponderação entre o aumento da competitividade económica do País, atraindo investimento nacional e estrangeiro, e a necessária proteção do interesse público (em matérias de saúde pública, património cultural, ambiente etc.), o Governo aprovou o Decreto-Lei n.º 11/2023, 10 de fevereiro («SIMPLEX») que visa simplificar os licenciamentos existentes.

Num primeiro plano, o SIMPLEX adota medidas com impacto transversal, aplicáveis à generalidade da atividade administrativa, embora também tenham um impacto relevante na área do ambiente. Num segundo plano, o SIMPLEX promove a alteração de diversos diplomas legais especificamente na área ambiental, como os relativos à avaliação ambiental, ao licenciamento ambiental, ao setor das águas e resíduos. E ainda abrange medidas na área do urbanismo e ordenamento do território (objeto de update autónomo da Sérvulo). 

II. Alterações Transversais à Atividade Administrativa Geral 

a) Reporte Ambiental Único (RAU)

O acompanhamento e monitorização previstos nos vários diplomas legais nas áreas ambientais da responsabilidade da APA e das CCDR´s passam a ser realizados de forma desmaterializada, na plataforma SILiAmb através de um único reporte de informação, sendo notificadas todas as entidades envolvidas das submissões efetuadas pelo operador.

b) Deferimento Tácito

A medida mais célebre do Simplex Ambiental na fase de consulta pública que antecedeu a publicação deste decreto-lei, foi a criação de um mecanismo de certificação de deferimentos tácitos, mediante alteração ao Decreto-Lei n.º 135/99, de 22 de abril A medida mantém-se nesta versão final do Simplex. Com ela, garante-se que os interessados possam solicitar à Administração a passagem de uma certidão que ateste a ocorrência de qualquer deferimento tácito, que, deverá ser emitida no prazo de três dias úteis após a receção do pedido.

Sobre este mecanismo duas notas se impõem: (i) o facto de a falta de pagamento de taxas não impedir o reconhecimento da formação de deferimento tácito expõe o regime à crítica de criar situações de desigualdade face ao particular destinatário de um deferimento expresso, que está naturalmente obrigado ao pagamento de taxas; (ii)  a previsão de que a designação da entidade competente para a prática de atos certificativos seja feita por mero ato administrativo suscita dúvidas de constitucionalidade.

Com o objetivo de clarificar e facilitar a obtenção de deferimentos tácitos atualmente já previstos, são ainda introduzidas alterações em vários regimes legais no domínio ambiental:

i. No Regime Jurídico da Avaliação de Impacte Ambiental (doravante “RJAIA”), os prazos previstos para a emissão de deferimento tácito da DIA passam a contar-se “desde a data de submissão do pedido através da plataforma eletrónica”; adicionalmente, quando a DIA preveja a obtenção de pareceres ou autorização em legislação especial e estes não tenham sido emitidos no prazo legal estabelecido, forma-se deferimento tácito;

ii. No Regime Jurídico de Emissões Industriais Aplicável à Prevenção e ao Controlo Integrados da Poluição, a fórmula pouco clara sobre as condições do deferimento tácito da licença ambiental passa agora a estar inteiramente dependente do fator “cumprimento de prazos” e “notificação”, deixando de operar a condição “e não se verificando nenhuma causa de indeferimento”, que era causa de grandes ambiguidades na aplicação do preceito;

iii. Quanto ao Regime de Utilização de Recursos Hídricos, a verificação de qualquer dos pressupostos que impusessem o indeferimento da pretensão também deixa de constituir um pressuposto do deferimento tácito. 

c) Simplificação nos procedimentos administrativos (alterações ao CPA)

No âmbito das alterações efetuadas ao Código do Procedimento Administrativo, prevê-se a limitação da possibilidade de suspensão de prazos de decisão pela Administração Pública por via de expedientes procedimentais. Assim, as entidades administrativas apenas podem solicitar documentação/informação uma única vez e, sempre que o façam, o prazo não se suspende desde que o particular responda no prazo de 10 dias.

Em matéria de pareceres, prevê-se uma redução do prazo de emissão para 15 dias (sem possibilidade de fixação de prazo diferente); se este prazo não for observado, fica a entidade administrativa competente impedida de emitir o parecer, devendo o procedimento prosseguir os seus trâmites normais até à emissão da respetiva decisão.

III. O Que Muda nos Regimes Específicos em Matéria de Ambiente

A fim de prosseguir os desígnios explicitados no ponto I, o SIMPLEX introduziu alterações relevantes em vários diplomas específicos em matéria ambiental, de entre as quais se destacam as seguintes:

a) Regime Jurídico de Avaliação de Impacte Ambiental

Pautando-se por uma lógica de “licenciamento zero”, o novo decreto-lei tem como principal objetivo melhorar a aplicação do RJAIA sem comprometer as exigências relativas à proteção do ambiente, através da eliminação de certos requisitos administrativos reputados desproporcionados e demasiado morosos.

Opera-se, assim, uma redução genérica do âmbito de aplicação do RJAIA, quer através da limitação dos casos em que a realização de procedimentos de AIA depende de uma decisão discricionária das entidades competentes (análises caso a caso), quer através da restrição das situações em que o procedimento de AIA se revela sempre obrigatório, quer ainda através da pura e simples eliminação de casos de duplicação de AIA, bem como da necessidade da sua realização, verificados certos pressupostos. Mais concretamente:

i. A análise caso a caso fica reservada para os projetos que a) se localizem fora de áreas sensíveis e que b) não estejam abrangidos pelos limiares fixados, c) nem pelas exclusões expressamente previstas no Anexo II, o qual consagra também, de forma clara, os casos em que não há lugar a decisão discricionária;

ii. As situações de AIA obrigatória são substancialmente reduzidas (embora se mantenha a possibilidade de análise caso-a-caso), sendo significativas as alterações introduzidas no Anexo II do Decreto-Lei n.º 151-B/2013, de 31 de outubro, que procedem à revisão dos limiares de sujeição a AIA de várias tipologias de projetos, com especial enfoque na produção de eletricidade de fonte renovável. Em concreto, a sujeição a AIA deixa de ser exigida, por exemplo, quando estejam em causa a) projetos de centros electroprodutores de energia solar quando a área ocupada pelos painéis e inversores seja inferior a 100 hectares, b) projetos de parques eólicos quando estes sejam compostos por menos de 20 torres (mediante a inclusão de várias exceções expressas para os casos gerais previstos no Anexo II), ou 10, caso se localizem em áreas sensíveis e c) instalações destinadas ao transporte de energia elétrica até 20 Km e 110 KV.

iii. Foi eliminada a necessidade de duplicação de AIA e de análise caso a caso para os  parques ou polos de desenvolvimento industrial, zonas industriais e logísticas e plataformas logísticas previamente submetidos a avaliação ambiental estratégica, bem como a necessidade de desencadear procedimentos e obter outros atos permissivos quando os projetos já tenham sido analisados em sede de AIA, designadamente nos casos de áreas sujeitas ao regime da Reserva Ecológica Nacional e da Reserva Agrícola Nacional;

iv. Por fim, para além de o Anexo II conter, agora, um conjunto alargado de exceções de sujeição a AIA, esta deixa de ser exigida sempre que estejam em causa projetos que digam respeito à produção de hidrogénio a partir de fontes renováveis e da eletrólise da água.

No âmbito da análise caso a caso, consagra-se agora que o silêncio APA, i.e., a ausência de decisão no prazo de 25 dias determina a sujeição a AIA dos projetos e respetivas alterações ou ampliações, mas somente nos casos em que estes se localizem em zonas sensíveis, nada se referindo expressamente a respeitos dos projetos que não se localizem fora de áreas sensíveis e cuja decisão caiba à entidade licenciadora.

Clarifica-se também o conteúdo das DIAs favoráveis condicionadas devendo as condições fixadas a adotar ao longo do desenvolvimento do projeto ser fundamentadas com razões de facto e de direito e objeto de um juízo de proporcionalidade tendo em consideração a natureza, localização e dimensão dos projetos, bem como os impactos que estes sejam suscetíveis de provocar no ambiente. Esta alteração revela-se de particular importância quando, como é de conhecimento público, as medidas compensatórias determinadas pelas autoridades administrativas competentes, no contexto do procedimento de AIA, se apresentam, por várias vezes, manifestamente excessivas e alheadas das reais consequências ambientais dos projetos.

Por fim, ao contrário do que resultava do documento submetido a consulta pública, é incluído no próprio diploma do RJAIA um procedimento de análise ambiental de alternativas de corredores coordenado pela APA para as infraestruturas lineares associadas à prestação de serviços públicos essenciais, a construir por concessionários respetivos, com vista a garantir a seleção de alternativas ambientalmente mais sustentáveis para o seu desenvolvimento.

b) Regimes de Emissões Industriais e da Prevenção e Controlo das Emissões de Poluentes para o Ar

Já do Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de agosto, que aprova o regime de emissões industriais, é eliminada a necessidade de renovação da Licença Ambiental, por se considerar que as preocupações de acompanhamento e controlo de emissões já se encontram acauteladas pelo regime aplicável. Assim, à luz da nova redação do artigo 40.º deste diploma, a Licença Ambiental deixa de ter de ser renovada ao fim de 10 anos, desonerando os particulares do desencadeamento de (mais um) procedimento administrativo. Com um claro objetivo de evitar duplicações de licenciamento de emissões, a nova redação do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 39/2018, de 11 de junho, dispensa a obtenção de título de emissões para o ar (TEAR) para as instalações que já tenham obtido uma Licença Ambiental ao abrigo do regime de emissões industriais.

c) Regime da Utilização dos Recursos Hídricos

A principal alteração a assinalar no âmbito deste regime prende-se com a consagração do princípio “um título de utilização de recursos hídricos por operador”, afastando a realidade anterior de acordo com a qual o utilizador de recursos hídricos deveria obter tantos títulos quantas as utilizações que pretendesse efetuar dos mesmos (geradora de encargos excessivos). Portanto: sempre que esteja em causa o mesmo promotor e os títulos a obter digam respeito ao mesmo estabelecimento, apesar de o promotor permanecer adstrito ao dever de apresentar vários pedidos simultâneos para atribuição das necessárias licenças ou autorizações, será emitido um único título de utilização privativa de recursos hídricos, através de um procedimento unificado, o qual consistirá numa licença.

A renovação das licenças de utilização de recursos hídricos deixa de depender de solicitação do interessado, operando automaticamente, desde que se mantenham as condições que presidiram à sua atribuição, salvo oposição expressa do seu titular

Os prazos previstos no Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, são igualmente reduzidos de forma transversal, destacando-se: i) a redução do prazo de decisão do pedido de informação prévia de 45 para 30 dias, ii) a fixação do prazo para promoção das consultas a entidades externas em 5 dias em vez de 15, iii) a estipulação de um prazo de 10 dias para que, em caso de não emissão de parecer por parte das entidades consultadas, seja ficcionada a emissão de parecer favorável, em substituição do prazo de 45 dias inicialmente previsto e iv) a redução do prazo de dois meses para 45 dias para formação do ato de deferimento tácito na ausência de decisão expressa do pedido de autorização a que se refere a nova redação do artigo 17.º do diploma.

Por fim, o decreto-lei procede à revogação do regime de transmissão de títulos que se encontrava previsto no Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, passando este a constar agora somente da Lei da Água, o que contribui, em larga medida, para a simplificação e clarificação de uma matéria que era, até ao momento, largamente debatida. De ora em diante, de acordo com o constante do artigo 72.º da Lei da Água, haverá que distinguir entre recursos hídricos particulares e recursos hídricos de domínio público, visto que, enquanto a transmissão dos primeiros depende de mera comunicação prévia à autoridade competente para a respetiva emissão, a dos segundos carece da obtenção de um ato autorizativo. Este regime aplica-se também à transmissão de participações sociais que assegurem o domínio da sociedade detentora do título – conceito que, conforme agora se esclarece, deve ser preenchido à luz do Código dos Valores Mobiliários.

d) Regime jurídico de produção de água para reutilização, obtida a partir do tratamento de águas residuais

As principais alterações ao Decreto-Lei n.º 119/2019, de 21 de agosto, vão no sentido de favorecer os princípios da economia circular, ao mesmo tempo que se simplificam os procedimentos para produção e utilização de água para reutilização e que se delimita mais concretamente o âmbito de aplicação do diploma mediante a inclusão de um novo n.º 3 no artigo 2.º. A principal novidade prende-se com a dispensa da necessidade de obtenção de licença de produção de água para reutilização («ApR») em sistemas descentralizados e da sua utilização em sistemas centralizados e descentralizados, atividades cujo exercício, desde que verificadas as condições previstas no novo artigo 13.º-A, passa a estar somente dependente de uma comunicação prévia com prazo. Vale a pena referir que um desses casos se prende com a utilização de ApR produzida em sistemas centralizados para a produção de energia, nomeadamente de hidrogénio, a qual passa, assim, a pressupor somente a emissão de uma declaração pelo utilizador, a qual, em caso de omissão de pronúncia por parte da APA no prazo de 20 dias, é condição bastante para o início da atividade.

Pese embora se preveja, inovatoriamente, que a permissão no âmbito do procedimento de comunicação prévia é automaticamente renovável por períodos de 10 anos (à semelhança das licenças de utilização de recursos hídricos), lamentavelmente o legislador não aproveitou a oportunidade para consagrar semelhante solução para as licenças de produção de ApR que ainda tenham de ser emitidas no âmbito deste regime.

Por fim, esclarece-se que não são devidas quaisquer taxas no âmbito dos procedimentos administrativos das águas residuais, sendo inclusivamente proibida qualquer cobrança de custos, incluindo da taxa de recursos hídricos. 

e) Regime Geral da Gestão de Resíduos e Regime Jurídico de Deposição de Resíduos em Aterro

No âmbito da gestão de resíduos, o valor mínimo de produção de resíduos perigosos a partir do qual o produtor deve submeter à APA/CCDR um plano de minimização desses resíduos passa de 100 t para 1000 t, alteração esta que pode dificultar o cumprimento das metas nacionais de redução de produção de resíduos perigosos.

Quanto à eliminação de resíduos, prevê-se a reinjeção de lixiviados e concentrados nos aterros de resíduos não perigosos e, por outro lado, a alteração dos valores-limite para deposição em aterro de resíduos não perigosos, concedendo à APA/CCDR a possibilidade de definir parâmetros adicionais para efeitos da avaliação da admissibilidade.

IV. A entrada em vigor

Segundo o artigo 39.º, respeitante à entrada em vigor do decreto-lei, este entrará em vigor já amanhã – 11 de fevereiro de 2023. Contudo, esta “apressada” entrada em vigor fica travada pela norma de produção de efeitos, que estabelece que o decreto-lei apenas produz os seus efeitos em 1 de março de 2023. Já o disposto nos artigos 2.º (relativo ao reporte ambiental único) e 30.º (alteração ao CPA) só entra em vigor em 1 de janeiro de 2024. 

Mark Bobela-Mota Kirkby | mak@servulo.com

Ana Luísa Guimarães | alg@servulo.com

Catarina Pita Soares | csg@servulo.com

João Tomé Pilão | jtp@servulo.com

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