No muss, no fuss: uma reforma discreta na conceção-construção?
SÉRVULO NA IMPRENSA 28 Out 2025 in Eco | Advocatus
João Abreu Campos, Associado Sénior do departamento de Direito Público da Sérvulo & Associados, assina um artigo de opinião no Advocatus, sobre a reforma do regime da contratação de empreitadas de obras públicas em Portugal.
O impacto desta reforma dependerá, assim, em grande medida, do modo como as entidades públicas irão aplicar esta nova faculdade – e da gestão que façam dos respetivos contratos.
A décima quinta alteração ao Código dos Contratos Públicos (CCP), introduzida pelo Decreto-Lei n.º 112/2025, de 23 de outubro, marca uma reforma discreta, mas verdadeiramente estrutural nas empreitadas de obras públicas em Portugal.
Alterando apenas a redação do n.º 3 do artigo 43.º do CCP, o Governo, sem grande alarido e esclarecendo que esta ainda não é a grande e prometida reforma do Estado, reformou o regime da contratação de empreitadas de obras públicas em Portugal: a regra geral de contratação nas empreitadas de obras públicas deixou de ser o recurso à empreitada de construção, a que estava associada o recurso apenas excecional e só admissível se devidamente fundamentado à conceção-construção, para passar a ser uma regra geral dual de admissibilidade de ambos os modelos, em condições de igualdade.
Assim, reconhecendo, por um lado, a importância de “eliminar entraves legais ao aproveitamento, pelas entidades adjudicantes, dos benefícios das técnicas construtivas associadas à fabricação “off-site” e, em geral, das vantagens associadas à contratação combinada das prestações de conceção e construção” e, por outro, a circunstância de “em sede de contratação pública, a adoção destas técnicas [estar] limitada” em razão de o recurso à figura da conceção-construção permanecer uma exceção, o Governo decidiu alterar a redação do n.º 3 do artigo 43.º do CCP de modo a que as entidades adjudicantes possam recorrer de forma generalizada “à figura da conceção-construção não apenas em casos excecionais e devidamente fundamentados, mas sempre que, segundo juízos de discricionariedade e à luz dos interesses públicos em presença, concluam pela adequação daquela modalidade contratual”.
Trata-se, portanto, de uma significativa alteração do paradigma do recurso à conceção-construção em Portugal, que é alinhada com as práticas internacionais, que há muito vulgarizavam o recurso a este tipo de contratação, atentas as suas vantagens: possibilidade de aceleração dos prazos de execução e um controlo mais eficaz de custos, simplificação da gestão da empreitada, e a sua melhor adequação a projetos de elevada complexidade técnica ou que exigem celeridade e/ou importem a aplicação de técnicas inovadoras, como sucede nas grandes infraestruturas ou na construção modular.
Não somos oblívios, evidentemente, aos riscos que um recurso generalizado às empreitadas de conceção-construção acarretam. Designadamente e como é sabido, até 2008 a experiência empírica demonstrava que o recurso sistemático e generalizado à conceção-construção contribuía para a degradação da qualidade das obras públicas. Será, no entanto, que volvidos 17 anos desde a publicação do CCP e da adoção da regra geral de proibição do recurso à conceção-construção, este problema ainda se mantém? Ou terá o mercado evoluído, a par das novas técnicas construtivas e da crescente sofisticação na elaboração dos projetos de execução, ao ponto de conseguir mitigar esse risco?
A nosso ver, em geral, é de saudar esta alteração legislativa. No entanto, os seus efeitos práticos permanecem incertos. Pode questionar-se, por exemplo, se a opção pela exigência de que o caderno de encargos seja integrado, apenas, por um programa preliminar em vez de, por exemplo, por um estudo prévio, como estava previsto no artigo 2.º-A da Lei das Medidas Especiais de Contratação Pública, permite acautelar os vários riscos associados a uma insuficiente definição dos objetivos e características da obra. Por outro lado, sempre se poderá alegar que esta opção apenas recupera a solução geral que já estava prevista no CCP – o que se pode compreender, numa lógica de transferência integral do risco de conceção para o empreiteiro -, e que é justamente o programa preliminar que deve oferecer uma definição adequada dos objetivos, características orgânicas e funcionais e dos condicionamentos financeiros da obra.
Enfim, várias questões, para ainda poucas respostas. O impacto desta reforma dependerá, assim, em grande medida, do modo como as entidades públicas irão aplicar esta nova faculdade – e da gestão que façam dos respetivos contratos -, e da resposta que o mercado da construção civil consiga dar às exigências técnicas e operacionais que decorrem da utilização generalizada do modelo de conceção-construção.
Saiba mais em Eco | Advocatus.