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O que mudou na gestão em 20 anos?

SÉRVULO NA IMPRENSA 23 Nov 2017 in Canal de Negócios

Em 1997, a bolsa estava no auge. Foi o ano de grandes privatizações e os mercados começavam a abrir-se à concorrência e ao exterior. Mas ainda estavam para vir revoluções como a digital. 

As fraudes contabilísticas da Enron e WorldCom, nos Estados Unidos da América, ainda não tinham sido detectadas. Em 1997, ainda viviam dias felizes. A WorldCom, aliás, protagonizaria no ano seguinte uma mega fusão, ao juntar-se com a MCI. Os dias eram de euforia, e começava a desenhar-se com contornos maiores aquela que ficou para a história como a bolha das "dotcom". E que marcou o fim dos anos 90 do século passado e início dos anos 2000. Muito mudou com o rebentar da bolha. Desde logo ao nível do governo das sociedades. Ainda que nos anos 90 tenham sido publicados códigos de boas práticas de governação, é só depois dos escândalos da Enron e WorldCom que surge uma das maiores reformas societárias. A lei Sarbanes-Oxley inspirou vários códigos no resto do mundo, Portugal incluído. 
 
Paulo Câmara, sócio da Sérvulo & Associados, especialista em direito das sociedades, não tem dúvidas que a importância do governo das sociedades cresceu nos últimos 20 anos, dando quatro principais explicações para tal. Uma prende-se precisamente com os casos em que foram detectadas as falhas de governação, tornando "claros os efeitos danosos que daí podem decorrer para os investidores, para os credores, para os trabalhadores e para a confiança da economia em geral". E daí que os accionistas se tenham tornado mais exigentes sobre os temas da governação, pressionando melhorias e controlo. Ainda assim, mesmo depois disso, em Portugal surgiram casos como o do BES e da Portugal Telecom, cujas administrações desafiaram as regras existentes tanto ao nível de governo das sociedades como das focadas no sistema financeiro que têm sido alvo, ambas, de reformas legislativas relevantes nos últimos anos. "O corporate governance passou a ser um tema que concita a atenção da opinião pública, dos responsáveis políticos e das autoridades de supervisão", conclui Paulo Câmara. Os accionistas tornaram-se mais exigentes e a própria gestão transformou-se. 
 
O que levou à mudança? 
 
É difícil apontar claras causas desta mudança. Foi um conjunto de várias. Até o ciclo económico determina preocupações específicas em cada um dos momentos. Há 20 anos, o período era de expansão e investimento. Portugal vivia os primeiros passos da liberalização em diversos sectores. As privatizações tinham começado há pouco, e com elas vieram as aberturas dos respectivos mercados. 1997 marcava já o advento do designado capitalismo popular, após as primeiras vendas da PT ou da EDP e, claro, da banca. Foi mesmo dos anos com mais vendas públicas através da bolsa. Como diz Jorge Marrão, "partner" da Deloitte Portugal, "havia uma realidade empresarial há 20 anos e hoje há outra". Não apenas pela chegada à bolsa de um conjunto de empresas privatizadas, mas também pela entrada na Europa que obrigou a reestruturações para fazer face à abertura de mercados.  
 
Jorge Marrão ainda lembra a relevância que nessa altura teve o desenvolvimento das infra-estruturas. Mas também a profissionalização, entretanto, conseguida ao nível da distribuição de produtos e serviços e das preocupações com a qualidade e serviço ao cliente. Não é, ainda, despicienda a importância para a evolução empresarial da banca, nomeadamente com o advento das taxas de juro mais baixas, permitidas pela adesão à união económica e monetária.  
 
Em paralelo começa a revolução digital e hoje, lembra Jorge Marrão, o suporte tecnológico é brutal. Nomeadamente nas áreas de inteligência de negócio e analítica e no digital. A este momento expansionista seguiu-se um período de crise, com o inevitável corte de custos. E nesse momento, lembra Miguel Abecasis, "senior partner" e "managing director" da BCG Portugal, muitas empresas "exploravam oportunidades noutros mercados". Se em 1997 o grau de exposição ao comércio internacional atingia os 26,9%, 20 anos mais tarde está perto dos 37%. O que significa que se pedia às consultoras estratégicas "ajuda" na globalização e para melhorar níveis de eficiência e produtividade. Caminhou-se também para a especialização. Hoje, diz Miguel Abecasis, "estamos a entrar numa fase em que o aumento da confiança, a globalização e a evolução tecnológica motivam uma maior abertura ao investimento, sobretudo na transformação de modelos de negócio de forma a adaptá-los às crescentes expectativas e diferentes formas de interacção dos clientes". Ainda assim, acrescenta, "há um caminho muito grande a percorrer, pois a nossa visão para o futuro contempla formas de organização muito diferentes, muito mais orientadas em torno de objectivos de negócio do que em torno de áreas ou competências funcionais". 
 
Evolução na formação 
 
Hoje, segundo um inquérito do INE, em 61% das sociedades os gestores de topo têm pelo menos uma licenciatura. Não há dados comparáveis para 1997, mas era comum considerar-se que havia uma falta de profissionalização na gestão. Jorge Marrão acredita que o nível de formação médio melhorou muito e hoje os gestores têm uma maior quantidade e qualidade de competências. Miguel Abecasis acrescenta a forma diferente de ver o mundo dos gestores actuais. A Católica-Lisbon corrobora estas teses. "Tem-se verificado uma grande evolução na qualidade e diversidade da oferta", até porque "com o ritmo acelerado com que o mercado evolui, as empresas e profissionais procuram hoje programas específicos para cada área ou até mesmo sector de actividade", diz ao Negócios Luís Cardoso, director da Formação de Executivos da Católica-Lisbon, que celebra 25 anos, tendo hoje mais de 100 programas por ano. Os programas da área digital têm tido uma procura crescente. Há 20 anos, os executivos procuravam formação "mais generalista e global, por exemplo, na gestão geral, na liderança ou gestão de equipas". Os gestores mudaram. A gestão mudou. Afinal, o mundo também mudou.

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Paulo Câmara