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Soprar no apito ou boca no trombone

SÉRVULO NA IMPRENSA 05 Jul 2019 in Jornal Económico

Há quem diga que nenhuma publicidade é má publicidade, mas muitos de nós discordaríamos desta afirmação. E isto é particularmente verdade para empresas que preferem corrigir internamente aquilo que pode estar menos bem, em vez de serem confrontadas com uma inspeção das autoridades competentes ou notícias nos jornais revelando falhas mais ou menos graves, de que até poderiam não ter consciência.

No reverso da medalha, muitos trabalhadores ficariam encantados se pudessem reportar internamente falhas ou comportamentos que pensam ser violadores, desde que sentissem que o poderiam fazer em ambiente seguro, que as suas denúncias seriam tratadas com seriedade e imparcialmente e não seriam objeto de retaliação.

Neste contexto muitas empresas prevêem nos seus regulamentos internos a prática de whistleblowing (literalmente soprar no apito) ao estabelecerem canais internos de denúncia, entre os quais as denominadas hotlines ou linhas de ética.

E aqui que as coisas se complicam para as empresas em Portugal. Em 2009, a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) emitiu uma orientação relativa aos "Princípios Aplicáveis aos Tratamentos de Dados Pessoais com a finalidade de Comunicação Interna de Atos de Gestão Financeira Irregular (Linhas de Ética)". De acordo com a referida orientação o sistema de whistleblowing é apenas aceite quando restrito "aos domínios da contabilidade, dos controlos contabilísticos internos, da auditoria, da luta contra a corrupção e do crime bancário e financeiro", podendo apenas ser reportadas pessoas que pratiquem atos de gestão relacionados com as áreas referidas, no geral quadros da direção.

E assim, os trabalhadores impedidos de "soprar no apito", muitas vezes não têm mais remédio do que "pôr a boca no trombone" e levar a instâncias externas situações que até prefeririam ver internamente resolvidas, até por limitarem a sua exposição a repercussões que, quase inevitavelmente, acompanham denúncias públicas.

Para esses trabalhadores e para as suas empresas há boas notícias. O Parlamento Europeu (PE) preparou uma Diretiva sobre a proteção das pessoas que reportem violações das Leis da União. Nos termos do projeto do PE, empresas com 50 ou mais trabalhadores vão obrigatoriamente ter que estabelecer canais internos e procedimentos de denúncia e respetivo tratamento subsequente. O projeto de Diretiva também expressamente prevê que os canais internos para receção de denúncias devem permitir denúncias escritas ou orais, através de linhas telefónicas ou sistemas de mensagem de voz, sem prejuízo de o denunciante poder requerer uma entrevista.

Acresce que os domínios das denúncias protegidas vão muito além da orientação da CNPD, abrangendo áreas como a proteção ambiental, a segurança alimentar e a saúde animal, a proteção do consumidor e a segurança nos transportes, podendo os Estados Membros alargar a proteção dos denunciantes prevista na Diretiva, a outros domínios ou atividades.

A proteção dos denunciantes é particularmente cuidada no projeto, não apenas proibindo medidas retaliatórias, como prevendo medidas ativas de proteção contra ações de responsabilidade nos casos em que as denúncias envolverem a violação de deveres de confidencialidade, ou a aquisição ou o acesso a informação relevante, desde que tais aquisição e acesso não constituam crimes em si mesmos.

Não é já para amanhã, mas o futuro é definitivamente do apito.

 

Encontre o artigo de opinião publicado no Jornal Económico, aqui.

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