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Assédio no Trabalho: Reforço do quadro legislativo

PUBLICAÇÕES SÉRVULO 18 Set 2017

1 DE OUTUBRO | FIM DO PRAZO PARA A ELABORAÇÃO DE CÓDIGOS DE BOA CONDUTA

De acordo com Código do Trabalho, o assédio no trabalho configura um comportamento indesejado, que tem por objetivo ou mero resultado: (i) perturbar ou constranger o trabalhador, afetando a sua dignidade; ou (ii) promover um ambiente intimidatório ou desestabilizador[1].

É, assim, um conceito manifestamente abrangente, com múltiplas concretizações (palavras, atos, gestos ou escritos), implicando um amplo leque de condutas, como seja a não atribuição sistemática de funções ao trabalhador; a sua despromoção – impondo que realize tarefas não condizentes com a respetiva categoria profissional; a eliminação de componentes retributivas, colocando o trabalhador numa situação financeira instável ou a promoção do isolamento social na empresa; a par, naturalmente, de práticas vexatórias, agravadas quando praticadas perante colegas ou terceiros.

Referimos, a título ilustrativo, um caso recentemente tratado pela Relação de Évora, em 7 de dezembro de 2016[2], no qual o Tribunal atestou uma situação de assédio. Resumidamente, foi proposto ao trabalhador (Diretor de Engenharia) a revogação do respetivo contrato de trabalho. Não tendo o trabalhador acordado na cessação, o empregador adotou as seguintes medidas: (i) esvaziamento das funções executadas até essa data; (ii) atribuição de um novo gabinete de trabalho, localizado noutras instalações da empresa e distante dos colegas e da equipa que o trabalhador antes chefiava; e (iii) sujeição do trabalhador a registos do tempo de trabalho que a empresa só observava a respeito dos trabalhadores de armazém. Reconduzida a hipótese a um caso de assédio moral, o empregador foi condenado pela prática de uma contraordenação muito grave – à qual corresponde coima[3] que poderá variar entre € 2.040,00 (dois mil e quarenta euros)[4] e € 61.200,00 (sessenta e um mil e duzentos euros)[5].

Não obstante o quadro jurídico já existente, foi entendido que o mesmo não era suficientemente dissuasor. Foi, por isso, aprovada a Lei n.º 73/2017, de 16 de agosto, que entrará em vigor no próximo dia 1 de outubro de 2017, procurando dar uma resposta mais eficaz na prevenção e no combate ao assédio em contexto laboral. Estes objetivos são prosseguidos, no essencial, por duas vias: (i) conferindo maior proteção aos trabalhadores vítimas de tais comportamentos; e (ii) reforçando o quadro punitivo existente.

 

Sintetizamos as principais alterações introduzidas:

Códigos de boa conduta[6]

  • Até 1 de outubro, os empregadores devem diligenciar na elaboração de códigos de boa conduta, tendo em vista prevenir e combater o assédio no trabalho, conquanto a empresa tenha, pelo menos, 7 (sete) trabalhadores[7].
  • A infração desta obrigação constitui contraordenação grave[8].

 

Outras obrigações

  • É expressamente indicado que a prática de assédio que seja denunciada à Autoridade para as Condições do Trabalho poderá constituir justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador[9].

Quanto à formalização de denúncias de assédio, a Autoridade para as Condições do Trabalho deverá disponibilizar endereço eletrónico adequado a esse efeito[10].

  • Presume-se abusiva qualquer sanção disciplinar aplicada ao trabalhador até 1 (um) ano após denúncia ou outra forma de exercício de direitos relativos ao assédio[11].
  • O empregador não pode sancionar disciplinarmente o denunciante e as testemunhas por si indicadas (salvo se atuarem com dolo), por declarações ou factos constantes dos autos de processo judicial ou contraordenacional, desencadeado por assédio, até decisão final, transitada em julgado[12].
  • É expressamente reconhecido que o assédio moral pode ser fonte de doenças profissionais[13], sendo o empregador o responsável pela reparação dos danos daí emergentes.

O Governo deverá ainda definir, em regulamentação própria, os termos concretos de aplicação deste regime[14].

  • No que respeita à responsabilidade civil, o regime não regista especiais alterações. O legislador explicitou apenas o direito da vítima de assédio a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais[15].
  • No plano contraordenacional, a prática de assédio moral mantém-se como contraordenação muito grave, passando, porém, a ser expressamente referida[16] a eventual responsabilidade penal[17].
  • É ainda fixado que a sanção acessória de publicidade não é dispensada em caso de assédio moral, ainda que o agente proceda ao pagamento imediato da coima e que não tenha praticado qualquer contraordenação grave ou muito grave nos últimos 5 (cinco) anos[18].
  • É consagrado o dever de instauração de procedimento disciplinar sempre que haja conhecimento de potenciais situações de assédio[19] – cujo incumprimento constitui contraordenação grave[20]/[21].
  • Em caso de cessação de contrato de trabalho por acordo, o mesmo passar a ter de mencionar expressamenteo prazo legal para o exercício do direito do trabalhador a pôr fim ao mesmo (é o designado “direito ao arrependimento”)[22] – constituindo a infração deste dever contraordenação leve[23].

Em jeito de balanço, importa concluir que o novo enquadramento jurídico afigura-se mais protetor do trabalhador vítima de assédio – o que poderá surgir como incentivo à denúncia de comportamentos indevidos –, exigindo-se, em simultâneo, um papel mais ativo do empregador, na prevenção e combate de condutas ilícitas no seio da organização.



[1] Cf. o n.º 2 do art. 29.º do Código do Trabalho.

[2] Processo n.º 8928/15.7T8STB.E1.

[3] Cf. o n.º 5 do art. 29.º e o n.º 4 do art. 554.º do Código do Trabalho.

[4] Se a infração tiver sido praticada, a título negligente, por uma empresa com volume de negócios inferior a € 500.000,00.

[5] Se a infração tiver sido praticada, a título doloso, por uma empresa com volume de negócios superior a € 10.000.000,00.

[6] Obrigação estendida ao empregador público, conforme alteração introduzida na alínea k) do n.º 1 do art. 71.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.

[7] Prevista na alínea k) do n.º 1 do art. 127.º do Código do Trabalho.

[8] Nos termos do n.º 7 do art. 127.º do Código do Trabalho.

[9] Cf. alínea f) do n.º 2 do art. 394.º. do Código do Trabalho.

[10] Cf. o art. 4.º da Lei n.º 73/2017.

[11] Cf. alínea b) do n.º 2 do art. 331.º do Código do Trabalho.

[12] Por força do n.º 6 ora aditado ao art. 29.º do Código do Trabalho.

[13] Cf. o n.º 8 do art. 283.º do Código do Trabalho.

[14] De acordo com o art. 6.º da Lei n.º 73/2017.

[15] Cf. o n.º 4 do art. 29.º do Código do Trabalho.

[16] No n.º 5 do art. 29.º do Código do Trabalho.

[17] Podendo esta resultar da prática de um crime de perseguição, conforme previsto no art. 154.º-A do Código Penal.

[18] Cf. o n.º 3 aditado ao art. 563.º do Código do Trabalho.

[19] Cf. a alínea l) do n.º 1 do art. 127.º do Código do Trabalho

[20] Cf. o n.º 7 do art. 127.º do Código do Trabalho.

[21] Obrigação estendida ao empregador público, conforme alteração introduzida na alínea k) do n.º 1 do art. 71.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.

[22] Cf. o n.º 3 do art. 349.º do Código do Trabalho.

[23] Nos termos do n.º 6 do art. 349.º. do Código do Trabalho.

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