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Do Decreto-Lei n.º 84/2021, de 18 de outubro | Parte I - Regime de proteção do consumidor na compra e venda de bens móveis de consumo

PUBLICAÇÕES SÉRVULO 29 Dez 2021

A. Âmbito de aplicação 

O Decreto-Lei n.º 84/2021 é aplicável aos contratos entre consumidores (pessoa singular que atue com fins que não se incluam no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional) e profissionais (pessoa singular ou coletiva que atue para fins relacionados com a sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional). 

O Decreto-Lei n.º 84/2021 é aplicável:

1) a contratos de compra e venda, incluindo os contratos celebrados para o fornecimento de bens a fabricar ou a produzir;

2) aos bens fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada, ou de outra prestação de serviços, e de uma locação de bens;

3) aos conteúdos ou serviços digitais que estejam incorporados em bens ou que com eles estejam interligados.

Por bens móveis entende-se qualquer bem móvel corpóreo, incluindo os bens em segunda mão, água, gás e eletricidade, bem como qualquer bem móvel que incorpore ou esteja interligado com um conteúdo ou serviço digital, designado por “bem com elementos digitais”[1], ampliando-se, assim, a noção de bem móvel. 

Os direitos concedidos pelo Decreto-Lei n.º 84/2021 ao consumidor têm natureza imperativa, ou seja, não podem ser afastados nem por acordo entre as partes. 

B. Regime de proteção do consumidor 

Os bens móveis devem obedecer aos seguintes requisitos de conformidade:   

  1. devem corresponder às características descritas no contrato de compra e venda (designadamente quanto ao tipo, quantidade, qualidade, funcionalidade, compatibilidade e interoperabilidade);
  2. devem ser adequados à funcionalidade específica a que o consumidor os destine, de acordo com o previamente acordado entre as partes;
  3. devem corresponder à descrição (incluindo qualquer declaração pública feita pelo profissional, publicidade e/ou rotulagem);
  4. devem possuir as qualidades da amostra apresentada ao consumidor;
  5. devem corresponder à quantidade e possuir as características habituais e expectáveis nos bens do mesmo tipo (designadamente quanto a durabilidade, funcionalidade, compatibilidade e segurança).

No caso de bens com elementos digitais, o profissional deverá ainda assegurar que as atualizações são comunicadas e fornecidas ao consumidor tendo em conta o tipo e finalidade dos bens e elementos digitais, bem como as circunstâncias e natureza do contrato de compra e venda.

Os requisitos da falta de conformidade têm de se verificar no momento da entrega (em especial, o bem deve ser acompanhado dos seus acessórios, bem como da embalagem e das instruções de instalação) e de instalação dos bens. 

Afigura-se especialmente relevante comparar o novo regime com o anterior relativamente aos seguintes aspetos: 

 

Decreto-Lei n.º 67/2003

Decreto-Lei n.º 84/2021

Prazos

 

 

Prazo de garantia

 

2 anos a contar da entrega do bem.

O prazo aplica-se aos bens usados, mas pode ser reduzido para 12 meses por acordo.

 

 

3 anos a contar da entrega do bem.

O prazo aplica-se aos bens recondicionados e usados. No caso de bens usados, o prazo pode ser reduzido para 18 meses por acordo.

O prazo aplica-se também aos bens com elementos digitais[2].

 

 

Prova da falta de conformidade

 

Presume-se a falta de conformidade à data da entrega durante o período da garantia, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou as características da falta de conformidade.

Presume-se a falta de conformidade à data da entrega no prazo de 2 anos após entrega do bem.

No caso de bens usados em que a garantia tenha sido reduzida para 18 meses, o prazo de presunção é de 1 ano após a entrega do bem.

A presunção aplica-se também aos bens com elementos digitais[3].

 

Denúncia da falta de conformidade

 O consumidor deve comunicar a falta de conformidade 2 meses a contar da data em que a mesma foi detetada.

 O consumidor deve comunicar a falta de conformidade dentro do prazo da garantia.  

Exercício dos direitos, incluindo direito de ação judicial

 

2 anos a contar da comunicação da falta de conformidade.

Direitos dos consumidores

 

 

Reposição da conformidade, por reparação ou substituição do preço

 

 

 

 

 

O consumidor pode exercer os direitos em alternatividade, salvo se for física ou legalmente impossível ou constituir abuso de direito. 

Os direitos à redução do preço e à resolução podem ser exercidos mesmo que a coisa tenha perecido ou se tenha deteriorado por motivo não imputável ao comprador.

Em caso de substituição, inicia-se novo prazo de garantia.  

 

O consumidor pode optar entre a reparação e a substituição, salvo se for física ou legalmente impossível ou implicar custos desproporcionados.

Em caso de reparação, o bem beneficia de um prazo de garantia de 6 meses por cada reparação, até ao limite de quatro reparações.

Em caso de substituição, inicia-se novo prazo de garantia.

 

 

 

Redução proporcional do preço

O consumidor pode optar pela redução do preço se a reparação ou substituição não tiver sido efetuada, ou não tiver sido efetuada de forma adequada, se a falta de conformidade reapareça, se a sua gravidade o justificar ou o bem tenha perecido ou se tenha deteriorado devido à falta de conformidade por causa não imputável ao consumidor.

A redução do preço deve ser proporcional à diminuição do valor do bem.

 

Resolução do contrato

O consumidor pode optar pela resolução do contrato se a gravidade da falta de conformidade o justificar ou o bem tenha perecido ou se tenha deteriorado devido à falta de conformidade, por causa não imputável ao consumidor.

 

Direito de rejeição

 

N/A

Quando a falta de conformidade se manifeste no prazo de 30 dias após a entrega do bem, o consumidor pode solicitar a sua substituição ou a resolução do contrato.

Obrigações do profissional

 

Reparação ou substituição

Devem ser realizadas sem encargos, sem grave inconveniente para o consumidor e dentro do prazo de 30 dias.

Devem ser realizadas sem encargos, sem grave inconveniente para o consumidor, num prazo razoável que não pode exceder os 30 dias, salvo quando se verifiquem circunstâncias excecionais que o justifiquem.

 

Resolução do contrato: prazo para restituição

 

N/A

O consumidor deve devolver os bens ao profissional, a expensas deste, e este deve reembolsar o consumidor do preço pago, bem como os custos de entrega do bem, no prazo de 14 dias.

 

Serviço pós-venda

 

N/A

No caso de bens móveis sujeitos a registo[4], o profissional deve garantir assistência pós-venda em condições de mercado adequadas pelo prazo de 10 anos após a colocação em mercado da última unidade do respetivo bem.

 

C. Responsabilidade direta do produtor 

Sem prejuízo dos direitos que lhe assistem perante o profissional, mantém-se a possibilidade de o consumidor que tenha adquirido um bem que apresente uma falta de conformidade optar por responsabilizar diretamente o produtor, pedindo a reparação ou substituição do bem, salvo se tal for legal ou fisicamente impossível ou desproporcionado. 

O produtor pode opor-se com os seguintes fundamentos: (i) a falta de conformidade é apenas relativa a declarações prestadas pelo profissional, (ii) não colocou o bem em circulação ou quando o colocou a falta de conformidade não se verificava, (iii) não produziu o bem com fins lucrativos e (iv) decorreram mais de 10 anos sobre a colocação do bem no mercado. 

O produtor deve ter disponíveis as peças necessárias à reparação dos bens adquiridos pelo consumidor pelo prazo de 10 anos após a colocação em mercado da última unidade do respetivo bem. 

O representante do produtor na zona de domicílio do consumidor é solidariamente responsável. 

Mantém-se também a possibilidade de o profissional responsável perante o consumidor exercer o direito de regresso,i.e., o profissional tem o direito de ser indemnizado por outro profissional responsável na cadeia contratual de transmissão do bem, designadamente o produtor, fixando-se, para o efeito, um prazo de 5 anos a contar da entrega do bem e um prazo para o seu exercício de 6 meses a contar da data da satisfação do direito ao consumidor. 

Mantém-se ainda a possibilidade de prestar uma garantia voluntária, que passa a designar-se por garantia comercial, com obrigações de informação acrescidas, e que nunca poderá alterar a garantia legal, mas apenas constituir uma ampliação ou complemento.

Margarida Sepúlveda Teixeira | mst@servulo.com

 


[1] Consideram-se que são bens com elementos digitais sempre que a ausência do conteúdo ou serviço digital incorporado ou interligado impeça os bens de desempenharem as suas funções, essenciais ou não. Por exemplo, o conteúdo pode consistir em sistemas operativos, aplicações e qualquer outro software e os serviços podem consistir num serviço disponibilizado no ambiente de computação em nuvem, o fornecimento contínuo de dados de tráfego num sistema de navegação, ou o fornecimento contínuo de programas de treino personalizado no caso dos relógios inteligentes.

[2] No caso de fornecimento contínuo do conteúdo ou serviço digital para bens com elementos digitais superior a 3 anos a responsabilidade mantém-se durante o período do contrato.  

[3] No caso de fornecimento contínuo do conteúdo ou serviço digital para bens com elementos digitais a presunção mantém-se enquanto o contrato durar.

[4] Por ex., veículos automóveis, embarcações e aeronaves.

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