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Novas regras em matéria de prevenção de BCFT

PUBLICAÇÕES SÉRVULO 02 Set 2020

No passado dia 31 de agosto foi publicada a Lei n.º 58/2020, que procedeu à transposição para a ordem jurídica interna da Diretiva (UE) 2018/843, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2018. Esta – conhecida como a 5.ª Diretiva em matéria de prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo (o “BCFT”) – tendo, por sua vez, procedido à alteração da Diretiva (UE) 2015/849 – a 4.ª Diretiva – reconfigurou o conjunto de normas que estabelecem a malha mínima de procedimentos que os Estados-Membros devem por em prática para detetar práticas económicas ou financeiras cujo fim último seja o BCFT. Entre nós as alterações legislativas mais significativas trazidas pelo aludido diploma foram introduzidas na Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, que estabelece medidas de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo (a “LBCFT”) e no Regime Jurídico do Registo Central do Beneficiário Efetivo, aprovado pela Lei n.º 89/2017, de 21 de agosto (o “RJRCBE”). No entanto, o legislador nacional, vendo-se na obrigação de iniciar um procedimento legislativo tendente à transposição da aludida Diretiva Europeia, não se limitou à promoção das alterações para tanto necessárias, tendo também através da mesma Lei n.º 58/2020 clarificado determinados aspetos do corpo normativo nacional que visa reprimir o BCFT.

No conjunto de alterações introduzidas na LBCFT, destacam-se em primeiro lugar as novas normas que pretendem prevenir que os recentemente disseminados ativos virtuais sejam utilizados como um meio de dissimular a origem ilícita de determinados fundos ou como mecanismo de financiamento de grupos terroristas. Para tanto, no elenco das entidades obrigadas não financeiras foram genericamente incluídas as “Entidades que exerçam qualquer atividade com ativos virtuais” (artigo 4.º, n.º 1, alínea o)), tendo – para interpretação desta norma – sido também estabelecida uma ampla definição de tais atividades com ativos virtuais (artigo 2.º, n.º 1, alínea mm)). Estas entidades ficam sujeitas à supervisão do Banco de Portugal (artigo 89.º, n.º 1, alínea j)), autoridade junto da qual se exige um registo prévio específico para o exercício da atividade (artigo 112.º-A, n.º 1) no âmbito do qual o Banco de Portugal procede à avaliação da competência e idoneidade (artigo 112.º-A, n.º 3). Deste modo, as entidades que pretendam exercer atividades relativas a ativos virtuais ficam não só sujeitas à obtenção de um registo prévio no Banco de Portugal, como devem também – enquanto entidades obrigadas – dar cumprimento ao conjunto de deveres previstos na LBCFT, em especial ser dotadas das políticas e dos procedimentos e controlos que se revelem adequados a gerir o risco de BCFT especificamente existente nessa atividade (artigo 12.º e ss.).

Assumem também particular importância as modificações legislativas introduzidas no sentido de clarificar o regime aplicável aos organismos de investimento coletivo (os “OIC”) em matéria de determinação do beneficiário efetivo respetivo. Primeiramente, o diploma legislativo em análise - através da introdução de uma definição específica (artigo 2.º, n.º 1, alínea nn)) – clarificou que os OIC não cabem no conceito de centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica, em especial no conceito de fundos fiduciários (trusts), pelo que não lhes seriam aplicáveis os muito amplos e exaustivos critérios de determinação do beneficiário efetivo aplicáveis a estes últimos (artigo 30.º, n.º 3). Não obstante, o legislador veio promover uma clarificação acrescida estabelecendo diretamente que os critérios a utilizar para apurar o beneficiário último de um OIC são paralelos àqueles previstos para as sociedades comerciais (artigo 30.º, n.º 1). Este novo regime permite anular as incertezas previamente existentes quanto ao regime aplicável aos OIC, bem como cabalmente esclarece que o regime a aplicar aos OIC é o mesmo independentemente de estes serem constituídos sob a forma societária ou contratual.

Na LBCFT merecem ainda ser sublinhadas as seguintes novidades: i) a expressa inclusão das SIMFE e das SIGI como entidades obrigadas (artigo 3.º, n.º 1, alíneas l) e p)); ii) a previsão expressa da necessidade de registo das dificuldades encontradas durante o processo de verificação da identidade dos beneficiários efetivos (artigo 29.º, n.º 4); iii) a redução do prazo das comunicações ao IMPIC sobre as transações imobiliários de semestral para trimestral (artigo 46.º, n.º 1, alínea b)); iv) o reforço da proibição do anonimato relativo aos clientes de entidades financeiras com a inclusão da proibição de cofres anónimos (artigo 64.º, n.º 1); v) a especificação dos deveres no âmbito da disponibilização de contas correspondentes de transferência (payable-through accounts) (artigo 70.º, 1, alínea f)), e vi) a qualificação de um conjunto de contraordenações como especialmente graves (artigo 169.º-A).

Por seu turno, o RJRCBE foi sujeito a um amplo conjunto de revisões que visaram fundamentalmente promover a clarificação deste regime. Em primeiro lugar, releva a expressa exclusão das ordens profissionais, das massas insolventes e das heranças jacentes do âmbito de aplicação do diploma (artigo 4.º). No plano da declaração a efetuar no RCBE, o legislador precisou que os critérios a utilizar para determinar o beneficiário efetivo são aqueles que constam da LBCFT (artigo 8.º, n.º 1, alínea d)), bem como expressamente previu a necessidade de identificação da cadeia de controlo com identificação das entidades que a compõem (artigo 9.º, n.º 3). Quanto aos prazos para cumprimento das obrigações declarativas, previu-se que a primeira declaração deve ser concretizada no prazo de 30 dias (artigo 12.º, n.º 1) e que a confirmação anual da informação deve ser feita até ao dia 31 de dezembro de cada ano, sendo esta dispensada quando a entidade tenha efetuado no mesmo ano civil uma atualização e não existam factos que determinem a alteração da informação (artigo 15.º). Por fim, no que ao acesso à informação disponibilizada no RCBE concerne, o legislador estabeleceu como método claramente preferencial de acesso pelas entidades obrigadas a autenticação no RCBE (artigo 20.º, n.º 2).

Por último, a Lei n.º 89/2017, de 21 de agosto que aprovou o RJRCBE sofreu também uma alteração que se traduziu no alargamento do conjunto de pessoas que devem informar a sociedade de todos os elementos necessários para a elaboração do registo do beneficiário efetivo, passando a estar abrangidos por tal obrigação não só os sócios mas também as pessoas singulares que detêm, ainda que de forma indireta ou através de terceiro, a propriedade das participações sociais e quem, por qualquer forma, detenha o respetivo controlo efetivo (artigo 5.º).

 

José Guilherme Gomes | jgg@servulo.com

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