Atenção, o seu browser está desactualizado.
Para ter uma boa experiência de navegação recomendamos que utilize uma versão actualizada do Chrome, Firefox, Safari, Opera ou Internet Explorer.

Os Angariadores e a Comercialização de Unidades de Participação ao Abrigo do RGA

PUBLICAÇÕES SÉRVULO 25 Jul 2023

Na sequência da recente entrada em vigor do Regime da Gestão de Ativos, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 27/2023, de 28 de abril (o “RGA”), e ainda antes do fim da consulta pública do Projeto de Regulamento do RGA, veio a CMVM muito recentemente publicar a Circular 013/2023 (a “Circular”) que contém importantes orientações que devem ser tidas em conta pelas sociedades gestoras aquando da comercialização das unidades de participação dos organismos de investimento coletivo (os “OIC”) que gerem.

A Circular em referência integra orientações, de diferenciado alcance, referentes a quatro áreas diversas. Não obstante, como adiante se verá, as orientações que assumem um caráter verdadeiramente inovador em relação àquilo que se encontra previsto no RGA são as relativas aos Angariadores (ou “referral agents” ou ainda “introducers”).

Importa, pois, considerar tais terceiros no contexto da comercialização de unidades de participação atendendo ao regime vigente nesta matéria.

 A) Conceito de Angariadores

A Circular demonstra-se bastante inovadora pois não só expressamente admite o recurso a angariadores (em linha com a prática do mercado), como fornece diretrizes quanto ao conteúdo da relação que deve ser estabelecida com estes. Isto é, veio agora a CMVM, através da emissão de orientações, propor regras relativas a uma outra figura à qual podem as sociedades gestoras recorrer no contexto da comercialização, além do recurso a agentes vinculados ao abrigo da possibilidade aberta pela RGA (cf. artigo 142.º, n.º 5 do RGA).

Apesar de os agentes vinculados terem uma consagração legal expressa e um aprofundado regime estabelecido por remissão para o Código dos Valores Mobiliários (o “CVM”) e de os Angariadores serem uma figura legalmente atípica e de o seu regime se encontrar apenas em recomendações, a verdade é que presentemente (seja por via legal, seja por via de orientações), coexistem regimes diferenciados aplicáveis às duas figuras. Estas em comum têm o facto de serem terceiros em relação à própria sociedade gestora, pelo que assume relevo estabelecer os traços distintivos da figura dos Angariadores.

Os Angariadores são aqueles que se limitam a fornecer “dados e informações sobre potenciais investidores”, logo não estão abrangidos “pelo conceito de comercialização do RGA”. São, portanto, todos aqueles que se limitam a fornecer à sociedade gestora informações sobre a identidade e contactos de potenciais investidores interessados em investidores em OIC geridos, sendo depois à sociedade gestora que cabe procurar comercializar as unidades de participação junto dessas pessoas referenciadas (singulares ou coletivas) e assegurar, em exclusivo, o cumprimento dos deveres cuja observância se impõe no momento da comercialização (cf. artigo 141.º do RGA).

Por seu turno, a limitação das atividades da figura em análise à mera referenciação de potenciais investidores fica ainda bem patente no facto de a CMVM expressamente instar as sociedades gestoras a garantir que a atividade dos Angariadores não se reconduz a pré-comercialização, ou seja, não podem estes, em síntese, prestar informações “sobre estratégias de investimento ou ideias de investimento” de uma sociedade gestora para “aferir do interesse de potenciais investidores profissionais (…) num OIA da União Europeia que não esteja constituído ou não tenha sido notificado para comercialização no Estado-Membro em que os potenciais investidores têm domicílio ou sede social” (cf. artigo 144.º, n.º 1 do RGA).

Por sua vez, a figura dos Angariadores difere radicalmente da figura dos agentes vinculados. Por um lado, não assumem qualquer tipo de representação da sociedade gestora (cf. artigo 142.º, n.º 5 do RGA). Por outro lado, as concretas funções desempenhadas em benefício daquela são muito diferentes, pois, enquanto os Angariadores se limitam a referenciar potenciais investidores, os agentes vinculados podem, em geral, representar a sociedade gestora na prospeção de investidores, na receção e transmissão de ordens, na colocação e em consultoria (cf. artigo 294-ºA, n.º 1 do CVM).

B) O conteúdo da relação entre a sociedade gestora e os angariadores

Apesar das diferentes atividades que Angariadores, por um lado, e agentes vinculados, por outro, podem desenvolver, a CMVM veio aconselhar as sociedades gestoras a também celebrarem contratos escritos com os Angariadores para garantirem que o recurso a estes “não colide com o regime aplicável” à comercialização.

Isto é, o contrato escrito tem uma dupla finalidade. A um tempo, pretende garantir que os Angariadores não desenvolvem quaisquer atividades além do encaminhamento de investidores (por exemplo, não representam a sociedade e não a substituem ou auxiliam no cumprimento de quaisquer deveres). A outro tempo, pretende-se assegurar, através de uma clarificação contratual da relação estabelecida, que não se verifica qualquer impacto negativo no cumprimento dos deveres em matéria de comercialização por parte da sociedade gestora, uma vez que permanece nesta a responsabilidade pela comercialização propriamente dita.

Como orientações essenciais quanto ao conteúdo do contrato escrito a celebrar, assumem relevo, em especial, os seguintes aspetos:

  1. Previsão do âmbito (limitado) da atividade;
  2. Fixação, correspondente, das atividades que não podem ser desenvolvidas, nomeadamente aquelas que se relacionam diretamente com a comercialização e as funções que apenas podem ser conferidas a agentes vinculados;
  3. Previsão do regime de remuneração, sendo certo que a mesma apenas pode ser assegurada pela sociedade gestora, ou seja, não podem os custos inerentes ser imputados aos próprios OIC aos seus participantes;
  4. Assegurar que a sociedade gestora pode controlar as atividades dos Angariadores para verificar se estes apenas se circunscrevem às funções contratualmente atribuídas;
  5. Apesar de não ser uma figura legalmente prevista, deve assegurar-se que são cumpridas as disposições legais aplicáveis, nomeadamente em matéria de proteção de dados e eventuais regras vigentes em outros jurisdições nas quais o Angariador atue.

Assinala-se ainda que quanto aos Angariadores não vigora o princípio de exclusividade aplicável aos agentes vinculados (cf. artigo 294.º-A, n.º 3, alínea a) do CVM). 

C) O recurso a angariadores por entidades comercializadoras

A Circular apenas se refere ao recurso a Angariadores por parte da sociedade gestora, pois é desta o dever de comercializar as unidades de participação dos OIC geridos (artigo 63.º, n.º 2, alínea d) do RGA). No entanto, a gestora pode recorrer a determinadas entidades comercializadores (cf. artigo 142.º do RGA), pelo que cremos que nada obsta a que estas últimas possam também recorrer a Angariadores. Sendo certo que a eventual relação estabelecida com os angariadores deve, também nesta circunstância, atender às orientações previstas na Circular. 

D) O cumprimento das orientações contidas na Circular

Por fim, importa notar que apesar de as orientações contidas na Circular não terem naturalmente caráter vinculativo – configurando soft law –, a CMVM alerta, a final, que “acompanha a comercialização de unidades de participação de OIC com especial atenção sobre as matérias objeto da presente Circular”. Por conseguinte, devem as sociedades gestoras, quando recorrem a Angariadores, ter especiais cuidados no que se refere ao conteúdo da relação estabelecida e promover a celebração de contratos escritos nos termos descritos.

José Guilherme Gomes | jgg@servulo.com

Expertise Relacionadas
Financeiro e Governance
Advogados Relacionados
José Guilherme Gomes