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Saber esperar: aprendizagens com a Concentração Altice/PT Portugal

PUBLICAÇÕES SÉRVULO 17 Set 2018

A 7 de Setembro, foi tornado público o resumo da decisão pela qual a Comissão Europeia aplicou à Altice uma coima de 124,5 milhões de euros por violação do dever de não executar uma concentração antes de a mesma ser decidida pela Comissão Europeia. No caso, estava em causa a aquisição da PT Portugal pela Altice.

É oportuno ter sempre presente as exigências normativas que devem ser sempre asseguradas nos casos em que as concentrações tenham de ser apreciadas pelas autoridades da concorrência, seja a Comissão Europeia seja a Autoridade da Concorrência. Exigências que resultam, em primeira linha, quer do Regulamento das Concentrações quer da Lei da Concorrência.

Em síntese, a Comissão Europeia considerou que, o Acordo de Transação celebrado entre a Altice e a Oi (detentora da PT Portugal: “sociedade-alvo”), a 9 de dezembro de 2014, já conferia à Altice  a  possibilidade de exercer uma influência determinante sobre a PT Portugal. E ainda antes da Decisão da Comissão Europeia, que só foi adotada, condicionalmente, a 20 de abril de 2015.

É natural que o adquirente de uma empresa queira, o mais cedo possível, poder exercer o seu controlo/influência determinante sobre a empresa a adquirir. Contudo, o direito da concorrência impõe, até às decisões finais em matéria de concorrência, um dever de suspensão. No fundo, no período que decorre entre a conclusão do acordo de concentração e a decisão a empresa adquirente não pode ter a possibilidade de exercer uma influência decisiva sobre aquela que irá adquirir. É que tal equivaleria a uma antecipação da concentração e, na prática, à execução da concentração. Por outras palavras, tal situação representaria a incorporação indevida (uma vez que ainda não foi autorizada) da empresa-alvo na esfera jurídico-material da empresa adquirente. Estas obrigações (que são comumente designadas de obrigações de standstill) conhecem algumas exceções. Mas as exceções dependem sempre de prévia decisão da autoridade de concorrência competente e não podem resultar de uma mera decisão autónoma das partes.

Será o caso se houver necessidade de preservar o valor da sociedade-alvo. Esta exceção torna-se facilmente o fruto da árvore proibida, nos processos de concentrações. Efectivamente, apresenta-se como muito tentador para as empresas a utilização desta exceção para começarem, desde logo e de forma aparentemente justificada, a influenciar a tomada de decisões da sociedade que poderão vir a controlar.

Qual a razão de ser deste regime? Em síntese, a execução não autorizada de uma concentração (ainda que notificada) não só prejudicaria a plena eficácia da decisão do procedimento como também, proventura, o livre jogo da concorrência durante o período que culmina na decisão do procedimento. No caso, por exemplo, a decisão da aquisição da PT Portugal pela Altice foi condicionada à obrigação de a Altice alienar as suas participações de controlo sobre a ONI e a Cabovisão. A Decisão reveste-se ainda de maior interesse por oferecer três grandes exemplos do que são acções com uma influência determinante e que, por contraposição, não são, estritamente, acções para preservar o valor da sociedade-alvo:

  • Possibilidade de a Altice influenciar a nomeação do pessoal superior de gestão da sociedade-alvo;
  • Possibilidade de a Altice influenciar as políticas tarifárias da sociedade-alvo;
  • Possibilidade de a Altice influenciar a sociedade-alvo a celebrar, rescindir ou alterar contratos.

Para a Comissão Europeia, estará demonstrado que a PT Portugal não poderia tomar decisões nestas matérias sem o consentimento prévio da Altice. E as mesmas iam para além daquilo que era necessário para a preservação do valor da sociedade-alvo consubstanciando-se, assim, numa verdadeira concentração não autorizada.

Deve ter-se bem presente que este é um assunto ao qual a Comissão Europeia e as autoridades nacionais da concorrência têm dedicado uma cuidada atenção e encetado esforços redobrados para que os casos já decididos tenham, também, uma forte vertente dissuasora. Neste sentido, torna-se mais do que necessária uma atuação preventiva dos vários stakeholders em operações de concentrações, não só nas fases pré-contratual e contratual (de forma a não incluir disposições que permitam à empresa adquirente exercer uma influência determinante sobre a sociedade-alvo (ou que, incluindo essas disposições contratuais, as mesmas apenas tenham eficácia após a autorização da Comissão), mas também na (não) adopção de determinados comportamentos durante o período em que se aguarda por uma decisão das autoridades competentes que possam vir a ser enquadrados como um exercício de influência determinante.

Conforme o caso que se analisou deixou bastante evidente é preferível aguardar alguns meses pela decisão da Comissão e cumprir, corretamente, com as obrigações de notificação e suspensão do que ficar sujeito ao pagamento de elevadas coimas que podem ir até 10% do volume de negócios da empresa infratora o que pode representar uma verdadeira hecatombe financeira.

A Altice impugnou a decisão da Comissão perante o Tribunal Geral da União Europeia encontrando-se o processo (T-425/18) pendente.

Guilherme Oliveira e Costa

goc@servulo.com

 

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