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The EU strikes back: Regulamento relativo a subvenções estrangeiras que distorcem o mercado interno

PUBLICAÇÕES SÉRVULO 02 Fev 2023

1. O Regulamento relativo às subvenções estrangeiras (RSE)

No passado dia 12 de janeiro de 2023, entrou em vigor o Regulamento (UE) 2022/2560 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de dezembro de 2022 relativo a subvenções estrangeiras que distorcem o mercado interno (‘RSE’).

Trata-se de uma legislação inovadora e cujo impacto, a ter sido bem configurado, será extenso nos próximos anos. Dá resposta, pela primeira vez, às distorções do mercado interno e da concorrência que derivam de financiamentos, diretos ou indiretos, por Estados terceiros (por isso qualificadas como “estrangeiras”). Como é sabido, no plano interno, a concorrência na UE assenta, de modo fundamental, na regra geral de proibição de auxílios públicos. Ou seja, salvo exceções, os Estados membros não podem conceder vantagens financeiras, com recursos estatais, às empresas, na medida em que tal possa causar distorções na concorrência no mercado interno. Mas as regras aplicáveis até hoje na União não abrangem, em grande medida, as subvenções e financiamentos provindos de Estados terceiros, que estão imunes às regras dos auxílios públicos. É bem conhecido o impacto destas subvenções estrangeiras no mercado interno, comprometendo as condições de concorrência equitativas da UE, nomeadamente no caso de concentrações ou de contratos públicos em que as empresas participantes sejam, total ou parcialmente, financiadas por subvenções estrangeiras. É neste cenário que o RSE foi aprovado, constatando - como diariamente vemos – que empresas[1] estabelecidas na UE, públicas ou privadas, recebem subvenções de países terceiros, que, com frequência, são canalizadas para o financiamento de atividades económicas no mercado interno, criando distorções.

Reveste pertinência clarificar que, para este efeito, existe “uma subvenção estrangeira quando um país terceiro concede, direta ou indiretamente, uma contribuição financeira que confere um benefício a uma empresa que exerce uma atividade económica no mercado interno e que é limitada, de direito ou de facto, a uma ou mais empresas ou sectores” (Artigo 3.º).

Os poderes concedidos à Comissão Europeia são extensos e variados. Esta pode, com base nas informações disponíveis, ponderar o equilíbrio entre os efeitos negativos e positivos de uma subvenção no mercado interno, e impor medidas corretivas para corrigir a distorção efetiva ou potencialmente causada por uma subvenção estrangeira. A distorção, diz o regulamento, existe “quando uma subvenção estrangeira for suscetível de melhorar a posição concorrencial de uma empresa no mercado interno e quando, em consequência disso, a subvenção estrangeira falseie, efetiva ou potencialmente, a concorrência no mercado interno”.

O RSE aplica-se a todas as atividades económicas na UE: abrange tanto concentrações (fusões e aquisições) como procedimentos de contratação pública e todas as outras situações de mercado. 

O RSE concede à Comissão três tipos de instrumentos principais:

  1. No caso de concentrações, um sistema de notificação prévia de concentrações que envolvam uma contribuição financeira de um país terceiro em que i) a empresa adquirida, uma das partes na concentração ou a empresa comum gere um volume de negócios na UE de, pelo menos, 500 milhões de EUR e; ii) as contribuições financeiras totais agregadas recebidas de países terceiros foi igual ou superior a 50 milhões de EUR nos três anos anteriores à celebração do contrato, ao anúncio da oferta pública, ou à aquisição de interesses de controlo;
  2. Na contratação pública, um procedimento de notificação prévia quando essas empresas participem em procedimentos de contratação pública em que i) o valor estimado do contrato seja de, pelo menos, 250 milhões de EUR e; ii) a contribuição financeira estrangeira em causa seja de, pelo menos, 4 milhões de euros por Estado terceiro;
  3. Noutras áreas, a Comissão pode dar início a investigações por sua própria iniciativa se suspeitar que podem estar envolvidas subvenções estrangeiras que distorcem a concorrência. Tal inclui a possibilidade de solicitar notificações ad hoc para procedimentos de contratação pública ou concentrações de menor dimensão.

Por fim, importa salientar que, à semelhança do que acontece na área do direito da concorrência, a Comissão Europeia pode aplicar coimas e sanções (designadamente, até 10 % do volume de negócios anual agregado) caso a empresa ou associação de empresas forneçam informações incompletas, inexatas ou enganosas ou não forneçam as informações solicitadas no prazo fixado. E poderá também realizar inspeções no local, incluindo em países terceiros, neste caso se o Estado em questão não se opuser a essa inspeção.

2. Próximos passos

Salvo exceções, o RSE é aplicável a partir de 12 de julho de 2023 e cabe agora à Comissão clarificar as regras e os procedimentos aplicáveis, com o intuito de implementar de forma uniforme o RSE na UE.

Miguel Máximo dos Santos | mxs@servulo.com

Morgana Grácio | mgr@servulo.com



[1] Artigo n.º 2(1) RSE: “«Empresa», no contexto de procedimentos de contratação pública, um operador económico tal como definido no artigo 1.º, ponto 14, da Diretiva 2009/81/CE, no artigo 5.º, ponto 2, da Diretiva 2014/23/UE, no artigo 2., n.º 1, ponto 10, da Diretiva 2014/24/UE e no artigo 2.º, ponto 6, da Diretiva 2014/25/UE”. A definição de “empresa” parece estar dependente do âmbito subjetivo, pelo que a sua aplicação prática e interpretação pelo Tribunal de Justiça irão conferir clareza.

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