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Alterações ao Regime Jurídico da Titularização de Créditos

PUBLICAÇÕES SÉRVULO 13 Out 2025

No dia 10 de dezembro de 2025, entra em vigor o Decreto-Lei n.º 103/2025, de 11 de setembro, que transpõe a Diretiva (UE) 2021/2167, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de novembro de 2021, relativa aos gestores de créditos e aos adquirentes de créditos.

Entre as principais reformas introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 103/2025, destacamos, no presente Update, as alterações ao Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de novembro, relativo ao Regime Jurídico da Titularização de Créditos (“RJTC”), destinadas a assegurar a sua adaptação à Diretiva e, consequentemente, ao Regime da Cessão e Gestão de Créditos Bancários, no contexto de cessões de créditos para efeitos de titularização e da equivalência da sua proteção para os devedores.

1. Cessão de créditos bancários para efeitos de titularização (cfr. artigo 1.º-A do RJTC)

Em caso de cessão abrangida pelo regime da cessão e da gestão de créditos bancários, que consta do anexo I do Decreto-Lei n.º 103/2025, de 11 de setembro (“RCGCB”), a cessão de créditos para efeitos de titularização deve observar ainda, com as necessárias adaptações, os deveres de atuação e informação previstos no RCGCB[1].

2. Intervenientes na titularização – Gestores de créditos (cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea d), e artigo 5.º, n.º 1, do RJTC)

Ao nível do âmbito subjetivo dos gestores de créditos intervenientes numa operação de titularização verificam-se as seguintes alterações[2]:

a) Quando não intervenha patrocinador[3] na titularização, podem intervir como gestores de créditos:

i. as entidades habilitadas a exercer atividade de gestão de créditos, nos termos do RCGCB[4], quando a titularização abranja uma cessão de créditos bancários abrangida pelo RCGCB;

ii. os cedentes, sempre que se trate de uma empresa de seguros, fundo de pensões ou sociedade gestora de fundos de pensões, mediante a celebração de contrato pelo qual o cedente ou sociedade gestora (quando aplicável) se obriga a praticar, em representação do cessionário, os atos de gestão de créditos objeto de cessão.

b) Nos casos em que intervenha patrocinador na titularização, podem intervir como gestores de créditos:

i. o patrocinador ou, quando este subcontrate essa função, as sociedades gestoras de organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (“OICVM”), as sociedades gestoras de organismos de investimento alternativo (“OIA”) de grande dimensão, as instituições de crédito ou as empresas de investimento.

ii. instituições de crédito ou, quando o patrocinador subcontrate essa função, entidades habilitadas a exercer atividade de gestão de créditos nos termos do RCGCB, quando se tratar de cessão de créditos bancários abrangidos pelo RCGCB.

Estas alterações visam, sobretudo, assegurar a coerência e concordância de regimes, adaptando o RJTC ao novo RCGCB.

3. Gestão dos créditos quando não intervenha patrocinador (cfr. artigo 5.º do RJTC)

Sem prejuízo do disposto no RCGCB quanto à proibição de receção e detenção de fundos dos devedores de créditos bancários pelos gestores de créditos, o RJTC mantém a regra geral de segregação patrimonial em caso de insolvência do gestor (aplicável nos restantes casos): ou seja, os eventuais montantes provenientes de pagamentos relativos a créditos cedidos para titularização, que estejam na posse do gestor dos créditos, não integram a sua massa insolvente.

4. Efeitos da cessão (cfr. artigo 6.º do RJCT)

Regra geral: A eficácia da cessão em relação aos devedoresdepende de notificação prévia, sendo que se continua a exigir a notificação ao devedor da identificação do gestor de créditos e de eventuais substituições deste, quando a gestão não seja efetuada pelo cedente[5].

Exceções legais[6]:

i. Na cessão de créditos por certas entidades cedentes – Estado, Segurança Social, instituições de crédito, sociedades financeiras, empresas de seguros, fundos de pensões ou respetivas sociedades gestoras –, a cessão produz efeitos em relação ao devedor quando se tornar eficaz entre o cedente e o cessionário, independentemente do seu conhecimento ou de notificação prévia, desde que:

  1. O cedente permaneça como gestor dos créditos; e
  2. Os créditos não estejam em incumprimento.

Na versão anterior do RJTC, bastava que se estivesse perante uma cessão de créditos por uma das entidades mencionadas para que se aplicasse a presente exceção.

Por outro lado, caso os novos requisitos não estejam reunidos, a cessão tornar-se-á eficaz em relação ao devedor apenas aquando da notificação prévia, de acordo com a regra geral.

ii. Quando se trate de um crédito bancário (abrangido pelo RCGCB), a produção de efeitos da cessão depende:

  1. Da contratação pelo cessionário de entidade habilitada a exercer atividades de gestão de créditos (nos termos do RCGCB); e
  2. Do envio da notificação prevista no novo artigo 6.º-A do RJTC, no prazo de 10 dias após a cessão e, em qualquer caso, antes da primeira cobrança, em papel ou noutro suporte duradouro, redigida em linguagem clara e compreensível para o público em geral.

Uma vez mais, assegura-se a coerência entre os dois regimes, encontrando paralelo nos artigos 11.º e 28.º do RCGCB. Trata-se, em suma, de garantir que o devedor de créditos bancários, abrangidos pelo RCGCB, está munido de toda a informação relevante a respeito da cessão e gestão dos créditos de que é devedor.

5. Comunicação em cessão de créditos bancários para efeitos de titularização (cfr. artigo 6.º-A do RJTC)

A notificação em caso de cessão de créditos bancários para efeitos de titularização deve conter, pelo menos, os seguintes elementos:

a) A ocorrência da cessão e a respetiva data;

b) A identificação e os elementos de contacto do cessionário;

c) A identificação e os elementos de contacto da entidade habilitada a exercer a atividade de gestão de créditos, incluindo, quando aplicável, os prestadores de serviços de gestão de créditos subcontratados para a gestão dos mesmos;

d) Os elementos comprovativos da autorização como gestor de créditos, se aplicável;

e) Os dados de contacto, apresentados de modo destacado, do ponto de referência no gestor de créditos ou, quando aplicável, no prestador de serviços de gestão de créditos;

f) Os valores em dívida pelo devedor no momento da comunicação a título de capital, juros, comissões e outros encargos;

g) Uma declaração sobre a manutenção da aplicação da legislação e regulamentação aplicável ao crédito após a cessão, designadamente em matéria contratual, de defesa dos consumidores e dos restantes devedores;

h) O nome, endereço e outros elementos de contacto da autoridade competente do Estado-Membro onde o devedor está domiciliado ou estabelecido e pode apresentar uma reclamação.

Acresce que o devedor pode solicitar, a qualquer momento, a informação atualizada, devendo a mesma ser-lhe disponibilizada no prazo de 5 dias após a solicitação.

6. Transmissão de créditos por fundos e sociedades de titularização (cfr. artigo 12.º, n.º 5, alínea e), e artigo 45.º do RJTC)

Os fundos de titularização de créditos passam a poder alienar créditos em cumprimento a OIA de créditos, além das entidades já previstas, como outros fundos de titularização de créditos, sociedades de titularização de créditos, instituições de crédito e sociedades financeiras.

No mesmo sentido, as sociedades de titularização de créditos ficam igualmente habilitadas a ceder créditos em cumprimento a fundos de titularização de créditos, a outras sociedades de titularização de créditos, a instituições de crédito, a sociedades financeiras e a OIA de créditos.

7. Poderes de supervisão do Banco de Portugal (cfr. artigo 8.º-A do RJTC)

Sem prejuízo dos poderes de supervisão da CMVM relativamente ao cumprimento dos respetivos deveres pelos intervenientes na titularização de créditos, compete ao Banco de Portugal a supervisão do cumprimento dos deveres decorrentes da cessão de créditos bancários para efeitos de titularização, nos termos do RCGCB.

8. Balanço

Embora o intuito destas alterações introduzidas pelo Decreto-lei n.º 103/2025 seja assegurar a coerência do RJTC com o RCGCB e garantir uma maior proteção dos devedores, uma análise mais ampla evidencia que o Regime Jurídico da Titularização de Créditos beneficiaria de uma reforma mais alargada.

Tal necessidade decorre de a última revisão do RJTC, salvo a presente alteração decorrente do DL n.º 103/2025, se ter verificado somente em 2019. Recorde-se que, em 2019, o Regime Geral dos Organismos de Investimento Coletivo, aprovado pela Lei n.º 16/2015 (“RGOIC”) ainda estava em vigor. Desde então, o Regime da Gestão de Ativos (“RGA”), aprovado pelo DL n.º 27/2023, de 28 de abril, entrou em vigor e o Código dos Valores Mobiliários sofreu diversas alterações, o que não se encontra refletido no conteúdo atual do RJTC.

Acresce que a intensificação das exigências ao nível da comunicação e informação aos devedores, no âmbito da produção de efeitos da cessão aponta na direção contrária à atual tendência europeia de simplificação regulatória, podendo implicar entraves indesejáveis à concretização e celeridade das operações de titularização de créditos. 

Juliana Figueiredo Reis | jfr@servulo.com

Madalena Alegre Martins



[1] Cfr. mormente, os deveres previstos nos artigos 6.º, 9.º, 13.º, 27.º, 29.º, 30.º, 34.º e 35.º do RCGCB.

[2] Cfr. artigo 2.º, n.º 1, d), subalíneas ii) e iii), bem como n.º 1 do artigo 5.º do RJTC.

[3] Nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do RJTC, o patrocinador corresponde a instituições de crédito ou empresas de investimento, localizadas ou não na União Europeia, distinta do cedente;

[4] Cfr. artigo 16.º do RCGCB.

[5] Cfr. artigo 6.º, n.º 3, do RJTC.

[6] Cfr. artigo 6.º, n.ºs 4 e 9, do RJTC.

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