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2017: Principais desafios regulatórios para a gestão de ativos

SÉRVULO NA IMPRENSA 17 Abr 2017 in Portugal Funds People

 2017: Principais desafios regulatórios para a gestão de ativos

 

A REGULAÇÃO DA GESTÃO DE ATIVOS TEM SIDO OBJETO DE UM VOLUMOSO NÚMERO DE ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS NA ÚLTIMA DÉCADA. ESTA TENDÊNCIA MANTER-SE-Á SEGURAMENTE AO LONGO DO ANO DE 2017.

O início do ano será assinalado pela finalização da transposição da UCITS V (Diretiva 2014/91/UE), a determinar alterações ligeiras ao RGOIC. Note-se que este processo regista um claro atraso, dado que o prazo de transposição da Diretiva terminou a 18 de setembro de 2016.

Todavia, o que marcará decisivamente o ano de 2017 será o processo de adaptação às regras da MIFID II/ DMIF II (Diretiva 2014/65/UE, de 15 de maio de 2014) e respetivos diplomas complementares. Quanto a este pacote legislativo, como no western de Leone, há que distinguir o bom, o mau e o vilão. Numa apertada síntese, o bom da MIFID II encontra-se no aumento da transparência dos mercados, no reforço dos padrões de governação dos intermediários e de governação dos produtos e no aumento do grau de proteção dos investidores, designadamente quanto aos deveres de conduta. Recorde-se que o dever de execução nas melhores condições sofre uma amplificação considerável, obrigando a uma revisão das políticas de transmissão e de execução de ordens. Além disso, na consultaria em base independente o prestador de serviço não pode aceitar nem auferir remunerações, comissões ou quaisquer prestações pagas ou concedidas por qualquer terceiro ou por uma pessoa que atue em nome de um terceiro em relação à prestação do serviço aos clientes. Excecionam-se apenas as prestações não monetárias não significativas que possam melhorar a qualidade do serviço prestado a um cliente e de dimensão e natureza tais que não se possa considerar que prejudicam a obrigação da empresa de investimento de agir no melhor interesse do cliente, sem prejuízo do dever de informação sobre as mesmas.

O mau do diploma reside na crença de que a nova categoria dos sistemas organizados de negociação (OTF) representa a resposta para a regulação de plataformas de negociação que escapam à qualificação de mercados regulamentados e de MTF. De um lado, a delimitação conceptual dos OTF não cobre plataformas de negociação de ações. Além disso, não inclui bulletin boards sem celebração de contratos. Por fim, soma-se que não abrange negociação não discricionária. Duvida-se, assim, que esta categoria consiga resistir ao tempo e à célere evolução tecnológica nesta área.

Regulação extensa

Por último, o aspeto mais sombrio e preocupante do pacote normativo MIFID II - o vilão - refere-se ao seu gongórico excesso prescritivo revelado sobretudo no desproporcionado número de atos de nível 2 que o compõem. Além da DMIF II e do MIFIR (Regulamento (UE) n.º 600/2014), encontra-se prevista a aprovação de 44 diplomas (quarenta e quatro!) de nível 2. Este  volume  regulatório sem precedentes coloca desafios  de monta,  pela sua extensão, aos gestores e aos regula­ dores.  A estes recomenda-se a conclusão rápida e equilibrada dos trabalhos de transposição, sem trejeitos de goldplating - importando corrigir o rumo anunciado para a governação de pro­ dutos bancários simples. Para aqueles, torna-se aconselhável uma preparação atempada das mudanças que afetam transversalmente o negócio.

Direitos dos acionistas

Ao longo deste ano estará igualmente em foco a conclusão do processo de alteração à Diretiva dos Direitos dos Acionistas. Este texto europeu, que se prevê que seja aprovado em 2017, irá nomeadamente obrigar à adoção e divulgação de uma política de envolvimento (engagement policy) dos investidores institucionais e gestores de ativos, a regular o grau de ativismo no exercício dos direitos sociais das ações integrantes dos patrimónios geridos, nomeadamente direitos de voto. Esta solução, que colhe nítida inspiração no Stewardship Code britânico (2010), procura promover o aumento da transparência e da qualidade de envolvimento na governação das empresas em que os gestores investem por conta dos seus clientes embora não prescreva um nível mínimo de grau de envolvimento na função acionista.

No seu conjunto, estas mudanças exprimem um paradigma de persistente instabilidade legislativa e, no caso da MIFID II, de excesso regulatório a pesar sobre o sector da gestão de ativos. Os custos daqui decorrentes afetam toda a indústria, com especial incidência nas gestoras de ativos de pequena e média dimensão. Pelo caminho, o princípio da proporcionalidade deixou em larga medida erodida a sua missão de válvula de adequação e de prevenção de excessos regulatórios, sobretudo em relação a estruturas organizativas mais reduzidas. Se olharmos para o trajeto dos últimos 10 anos, foi agora atingido um extremo que deve merecer uma reponderação séria. A concisão legislativa é uma virtude a recuperar com urgência: promove um melhor conhecimento das regras jurídicas pelos seus utilizadores e facilita uma cultura de cumprimento mais robusta. Ganha por isso redobrado sentido o elogio à concisão que resulta de uma frase célebre do Hamlet: Brevity is the soul of wit.

  

*Publicado na Funds People Portugal

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