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Alteração ao Regime das Subempreitadas

PUBLICAÇÕES SÉRVULO 19 Jul 2023

O Código dos Contratos Públicos, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, na sua redação atual (CCP), é alterado pela décima terceira vez com a publicação do Decreto-Lei n.º 54/2023, de 14 de julho.

O diploma citado vem revogar os n.ºs 2 e 3 do artigo 383.º do CCP e, consequentemente, alterar a redação do n.º 4 do artigo 385.º do CCP, que estabelece os limites a observar em caso de recurso à subcontratação durante a fase de execução do contrato de empreitada.

1. Considerações Iniciais

 O artigo 385.º do CCP estabelece duas regras alternativas a aplicar nos casos em que o empreiteiro deseje recorrer à subcontratação durante a fase de execução do contrato:

  • Por um lado, a regra geral estabelecida pelo n.º 1 do artigo 385.º do CCP dispõe que, no decurso da fase de execução do contrato, o empreiteiro não carece da autorização do dono da obra para subcontratar.
  • Por outro lado, se estivermos perante uma situação que seja subsumível à hipótese prevista pela regra especial do n.º 2 do artigo 385.º do CCP – isto é, nos casos em que as particularidades da obra justifiquem uma especial qualificação técnica do empreiteiro e a mesma lhe tenha sido exigida na fase de formação do contrato –, é possível, mediante previsão contratual expressa, subordinar o recurso pelo empreiteiro à subcontratação a autorização do dono da obra, a qual dependerá da verificação da capacidade técnica do potencial subcontratado em moldes semelhantes aos que hajam sido exigidos em relação ao empreiteiro.

Pois bem, nos casos em que o recurso a subempreitadas dependa da autorização do dono da obra, aplica-se o regime previsto nos nºs 3 a 6 do artigo 318.º do CCP.

Já quando o recurso a subempreitadas não dependa de autorização prévia do dono da obra, o empreiteiro deve, no prazo de 5 dias após a celebração de cada contrato de subempreitada, comunicar esse facto por escrito ao dono da obra, remetendo-lhe cópia do contrato em causa.

Até ao momento, a comunicação prevista no n.º 3 do artigo 385.º do CCP, além de dever fundamentar a decisão de recorrer à subempreitada, encontrava-se sujeita aos limites previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 383.º do CCP.

2. Os limites às subempreitadas previstos no artigo 383.º do CCP

Como adiantámos, até 15 de julho de 2023, o artigo 383.º do CCP estabelecia dois limites de natureza distinta e de âmbito geral à possibilidade de subcontratação no âmbito das empreitadas de obras públicas:

  • Em primeiro lugar, a subcontratação encontrava-se vedada quando o potencial subcontratado (a) não fosse titular de alvará ou de título de registo emitido pelo Instituto dos Mercado Públicos, do Imobiliário e da Construção, I.P., ou (b), sendo uma entidade nacional de Estado signatário do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu ou do Acordo sobre Contratos Públicos da Organização Mundial de Comércio e não sendo titular do alvará ou do título de registo, não apresentasse uma declaração comprovativa da sua habilitação para a execução das prestações objeto do contrato de subempreitada a celebrar, emitida pelo Instituto dos Mercado Públicos, do Imobiliário e da Construção, I.P.

Por outras palavras, eram motivos relacionados com a própria habilitação do potencial subcontratado que justificavam a proibição de recorrer à subcontratação – opção que o legislador de 2023 decidiu manter em vigor.

  • Em segundo lugar – e independentemente da verificação dos requisitos de habilitação por parte do potencial subcontratado –, o empreiteiro não podia recorrer à subcontratação relativamente a prestações objeto do contrato de valor total superior a 75% do preço contratual [cfr. o n.º 2 do artigo 383.º do CCP].

Desta forma, indo muito além da possibilidade genérica prevista pelo n.º 4 do artigo 318.º do CCP, o próprio legislador introduzia uma limitação objetiva ao recurso à subcontratação nas empreitadas de obras públicas durante a fase de execução do contrato.

 3. As alterações aos limites impostos às subempreitadas introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 54/2023, de 14 de julho

a) A revogação dos n.ºs 2 e 3 do artigo 383.º do CCP

Tal como é referido no preâmbulo do diploma em análise, a recente alteração ao CCP visou a eliminação dos “limites objetivos às subempreitadas, de forma a garantir o total alinhamento com o Direito da União Europeia, em particular com a Diretiva n.º 2014/24/UE, relativa a contratos púbicos”, que operou através da revogação dos n.ºs 2 e 3 do artigo 383.º do CCP.

De facto, através da remissão do n.º 4 do artigo 385.º para os n.ºs 1 e 2 do artigo 383.º e do n.º 3 deste artigo, expressamente, para o n.º 5 do artigo 318.º, todos do CCP, às subempreitadas que não careciam de autorização prévia do dono da obra aplicavam-se não só os limites previstos nos n.ºs 1 e 2, como também a exceção ao limite objetivo previsto pelo n.º 5 do artigo 318.º do diploma supracitado.

No entanto, a proibição de natureza objetiva do recurso à subcontratação tal como era estabelecida pelo n.º 2 do artigo 383.º do CCP, ao impedir, por um lado, que uma entidade que isoladamente não detivesse qualificações ou habilitações suficientes para executar o contrato conseguisse obter o acesso à adjudicação através do recurso a terceiros e ao impor, por outro, um limite à subcontratação que se aplicaria de forma transversal e sem qualquer necessidade de uma justificação casuística concreta, colocava em causa a conformidade da legislação nacional com os parâmetros europeus.

Foi, precisamente, por essa razão que o legislador, através do Decreto-Lei n.º 54/2023, de 14 de julho, sentiu a necessidade de revogar os n.ºs 2 e 3 do artigo 383.º do CCP, eliminado por completo o limite de natureza quantitativa aplicável às subempreitadas.

Devido a tal alteração, o regime atualmente vigente relativamente às limitações impostas
às subempreitadas encontra-se alinhado quer com a finalidade garantística ínsita no n.º 5 do artigo 318.º do CCP, quer com a própria legislação europeia em matéria de contratos públicos.

b) A alteração da redação do n.º 4 do artigo 385.º do CCP

Como consequência da renovação operada pelo diploma ora em análise e de forma a uniformizar o regime previsto pelo CCP, foi necessário alterar a redação do n.º 4 do artigo 385.º, também do CCP, que passou a remeter genericamente para os “limites fixados no artigo 383.º”.

4. Entrada em vigor e produção de efeitos

Por fim, não poderíamos deixar de fazer referência à dificuldade que resulta da aplicação da lei no tempo e que aqui se coloca de forma muito particular.

Em relação à sua entrada em vigor, tal como decorre do artigo 15.º, o Decreto-Lei n.º 54/2023, de 14 de julho, “entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação” – a saber, no dia 15 de julho de 2023.

Já no que diz respeito à produção de efeitos, o diploma em exame estabelece, no artigo 14.º, uma regra especial aplicável aos efeitos que decorrem dos seus artigos 2.º, 5.º, 6.º, 10.º e 11.º, abstendo-se de tecer qualquer consideração relativamente à produção de efeitos da alteração que introduz ao CCP. Tal circunstância poderia levar o intérprete a considerar que no âmbito das alterações introduzidas ao CCP valeria o princípio geral plasmado no artigo 12.º do Código Civil, nos termos do qual a lei só dispõe para o futuro.

Porém, a análise integral do diploma e das consequências que resultariam da aplicação do princípio tempus regit actum, leva-nos a entender que, neste caso, é afastada a regra geral de aplicação da lei no tempo.

De facto, o próprio Decreto-Lei n.º 54/2023, de 14 de julho, confirma que a alteração legislativa ao CCP visa “garantir o total alinhamento com o Direito da União Europeia, em particular com a Diretiva n.º 2014/24/UE, relativa a contratos púbicos”. Por outras palavras, a eliminação dos limites objetivos à subcontratação é necessária para evitar o prolongamento do incumprimento do Direito Europeu pela legislação nacional e, se assim é – isto é, se estes limites já nem deveriam ser aplicáveis até ao momento –, pelo menos a partir de agora, em nenhum procedimento em curso ou contrato em vigor pode ser imposto um limite que o próprio legislador reconhece não se coadunar com o Direito Europeu.

Isto significa que (a) quando estejamos perante um contrato, em vigor à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 54/2023, de 14 de julho, que disponha em sentido diverso ao direito da união europeia – ou seja, que preveja a possibilidade de aplicação do limite quantitativo previsto no anterior n.º 2 do artigo 383.º do CCP – deve ter-se por não escrita uma tal estipulação contratual; ao passo que (b) no caso de procedimentos em curso à data da entrada em vigor do diploma supracitado deve recorrer-se à possibilidade de retificação das peças do procedimento, nos termos do artigo 50.º do CCP.

A não se entender assim, o legislador estaria a permitir a subsistência de situações que violariam diretamente o Direito Europeu – incumprimentos não passíveis de qualquer tipo de responsabilização devido a uma questão relacionada com a aplicação das leis no tempo.

Em suma, não tendo o legislador previsto uma regra especial de produção de efeitos relativamente à alteração que introduziu ao CCP, a referência do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 54/2023, de 14 de julho, à “entra[da] em vigor no dia seguinte ao da publicação do diploma” tem de ser interpretado no sentido de implicar a sua aplicação imediata a qualquer procedimento em curso ou contrato em vigor.

Sara Vernâncio Gaspar | svg@servulo.com

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