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O Regulamento dos Mercados Digitais: críticas e potencial impacto negativo sobre as Pequenas e Médias Empresas (PMEs)

PUBLICAÇÕES SÉRVULO 04 Jan 2023

1. Introdução

“A minha principal preocupação é que, de repente, nos esqueçamos de nos olharmos nos olhos, de ter um jantar normal sem o telefone na mesa, de falar, ou de dar um passeio na floresta sem registar cada passo dado” (Margrethe Vestager)

No contexto das novas regras europeias, nomeadamente a entrada em vigor do Regulamento dos Mercados Digitais, a Comissária da União Europeia (UE), Margrethe Vestager, especificamente incumbida com a prioridade política de uma “Europa Apta para a Era Digital”, deu uma entrevista à revista EUobserver, onde proferiu a frase acima destacada.

Como já referido, as plataformas digitais que atuam como “controladores de acesso” (em inglês, gatekeepers) no mundo digital terão de cumprir com o Regulamento dos Mercados Digitais. “Controladores de acesso” são plataformas que têm uma dimensão que tem um impacto significativo no mercado interno da UE, que funcionam como uma importante ligação para que os utilizadores comerciais cheguem aos utilizadores finais (consumidores), e que gozam de uma posição enraizada e duradoura no mercado. Na prática, estamo-nos a referir às plataformas de “Big-Tech” como o GAMA: Google (Alphabet), Amazon, Facebook (Meta), e Apple, entre outras.

O principal objetivo do Regulamento dos Mercados Digitais (DMA) é proteger as empresas e os consumidores de práticas desleais praticadas pelos “controladores de acesso” e garantir a abertura dos serviços digitais. Este Regulamento pretende enfrentar os atuais desafios digitais, impondo regras rígidas, criando novos organismos (tais como o Comité Consultivo dos Mercados Digitais e o Grupo de alto nível), prevendo multas significativas (até 20% do volume de negócios anual global por infrações repetidas), impondo requisitos de interoperabilidade, proibindo a auto-preferência (self-preferencing) e restrições de switching, criando obrigações para permitir a desinstalação de apps e alterações às predefinições, entre outras.[1]

Juntamente com o Regulamento dos Serviços Digitais (DSA),o Regulamento dos Dados, o Regulamento de Governação de Dados, e a Proposta de Regulamento da Inteligência Artificial, o DMA pretende mudar a realidade das plataformas e mercados digitais.

Tem havido uma crescente especulação sobre se os novos regulamentos da UE serão capazes e adequados para enfrentar os desafios trazidos pelas plataformas digitais, garantindo ao mesmo tempo que não se prejudica o potencial das mesmas e se asseguram condições equitativas para os intervenientes no mercado.

A regulação não deve ser tão limitativa a ponto de bloquear a inovação, nem tão liberal a ponto de fomentar situações de desequilíbrio. Um equilíbrio é desejável.

2. Críticas relativas ao Regulamento dos Mercados Digitais e potencial impacto negativo sobre as Pequenas e Médias Empresas (PMEs)

Um aspeto que tem sido criticado no DMA é a inflexibilidade das proibições previstas. Os artigos 5.º, 6.º e 7.º contêm um numerus claususus de regras per se. As regras per se não exigem a prova dos efeitos prejudiciais de uma conduta, mas proíbem essa conduta enquanto tal. Por um lado, este aspeto aumenta a segurança jurídica. Por outro lado, as regras per se podem proibir uma conduta que não provoque efeitos negativos (“falsos positivos”), bem como podem não considerar uma conduta anti concorrencial enquanto tal (“falsos negativos”). Ademais, estas regras podem ser consideradas uma abordagem rígida, impondo um “one-size-fits-all” a “controladores de acesso” com modelos de negócio consideravelmente diferentes.[2]

Adicionalmente, apenas os “serviços essenciais de plataforma” (em inglês, core platform services) disponibilizados aos utilizadores estabelecidos ou localizados na UE estão sujeitos ao DMA. Os serviços de “controladores de acesso” oferecidos a utilizadores estabelecidos noutras jurisdições fora da UE não são regidos pelo Regulamento. É incerto se o “efeito Bruxelas” irá ocorrer, levando a que os “controladores de acesso” visados cumpram também com os requisitos mais exigentes do DMA fora da UE, mas o mais provável é que os “controladores de acesso” procurarão fornecer os seus serviços em regiões com restrições normativas mais reduzidas, respeitando o DMA exclusivamente em relação aos utilizadores estabelecidos na UE.

Nos últimos dois anos, a União Europeia produziu um vasto acervo de legislação que deve ser analisado e agrupado. Algumas destas legislações podem ser demasiado complicadas, intrusivas e interventivas. A complexidade resulta em custos e barreiras mais elevados para novas empresas que queiram entrar no mercado. O resultado pode ser paradoxal: ao criar normas mais rigorosas para fazer frente a empresas dominantes com práticas abusivas e promover a participação no mercado, os legisladores são suscetíveis de acabar por proteger empresas abusivas de Big-Tech.

Acrescente-se que um estudo da Catalyst Research reconheceu que o sufoco das Pequenas e Médias Empresas (PME) europeias pode ser uma consequência da aplicação do DMA, mesmo que não intencional. Este facto é particularmente alarmante uma vez que as pequenas e médias empresas representam aproximadamente 90% de todas as empresas europeias e são responsáveis por mais de metade da atividade económica na Europa.

O Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), que entrou em vigor em 2018, pode ser utilizado como exemplo: o RGPD, além de ter gerado valor para as pequenas e médias empresas que ainda estão a lutar para o implementar, criou uma carga de trabalho adicional para advogados, consultores e PMEs, o que acrescenta custos e complexidade.

As PMEs, nomeadamente as que utilizam tecnologia com menos intensidade e que adotaram ferramentas e canais digitais fornecidos pelos “controladores de acesso” para angariar novos clientes, irão correr o risco de perder o alcance e a eficiência dos instrumentos e canais que utilizam. Em vez de desenvolverem as suas próprias soluções, estas PMEs adotam frequentemente soluções desenvolvidas por grandes operadores do mercado. Tal significa que para muitas PMEs, os “controladores de acesso” representam uma oportunidade de acesso ao mercado como um serviço. A maior regulação das atividades dos “controladores de acesso” para proteger as empresas mais pequenas pode, neste contexto, limitar desnecessariamente o acesso das PMEs ao mercado.

Por último, os críticos afirmam que o DMA só será plenamente eficaz mediante enforcement e compliance adequados. Têm sido manifestadas preocupações, salientando que a Comissão Europeia só poderá implementar com sucesso o DMA se dispuser de recursos humanos e técnicos suficientes, incluindo peritos digitais.

O sucesso do DMA dependerá, em grande medida, da sua aplicação efetiva, o que significa que a tomada de decisões atempada, a capacitação dos recursos humanos e técnicos, bem como o compliance, serão fatores-chave.[3]

3. Próximos passos

Após a sua entrada em vigor, a 1 de novembro de 2022, o DMA passou agora para a fase de implementação e começará a ser plenamente aplicável em maio de 2023. Depois disso, se os potenciais “controladores de acesso” satisfizerem os requisitos do DMA, devem então notificar a Comissão dos seus “serviços essenciais de plataforma” no prazo de dois meses, mas não depois de 3 de julho de 2023.

Uma vez recebida a notificação completa, a Comissão terá 45 dias úteis para (i) avaliar se a entidade em questão cumpre os requisitos e (ii) para a designar como “controlador de acesso”. Após a sua designação, os “controladores de acesso” terão seis meses para cumprir os requisitos do DMA, o mais tardar até 6 de março de 2024. 

Miguel Máximo dos Santos | mxs@servulo.com



[1] Publicações Sérvulo (Máximo dos Santos, Miguel), “O Regulamento dos Mercados Digitais (“Digital Markets Act”) entra hoje em vigor: considerações gerais”, 2022.

[2] Ibid.

[3] Sérvulo Publications (Máximo dos Santos, Miguel), “The Digital Markets Act will enter into force today: an overview”, 2022.

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