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O futebol português e a comercialização de direitos televisivos e multimédia: um passo importante em direção a uma liga mais competitiva

PUBLICAÇÕES SÉRVULO 23 Mar 2021

Foi publicado, no passado dia 22 de março, o Decreto-Lei n.º 22-B/2021, que determina a titularidade de direitos de transmissão televisiva e multimédia dos campeonatos masculinos de futebol das I e II Ligas e estabelece que esses direitos sejam objeto de comercialização centralizada nas épocas desportivas subsequentes à época de 2027/2028.

No que respeita à titularidade de direitos de transmissão televisiva e multimédia relativos aos jogos dos campeonatos masculinos de futebol das I e II Ligas, o Decreto-Lei estabelece, no seu artigo 3.º, n.º 1, que a mesma “pertence aos clubes ou às sociedades desportivas participantes nas respetivas competições”, em contraponto ao que atualmente se prevê no disposto no artigo 88.º, n.º 2, do Regulamento das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, nos termos do qual os clubes detêm individualmente a titularidade desses direitos.

Paralelamente, a maior e principal inovação da nova lei consiste na implementação, em Portugal, de um modelo de comercialização centralizada desses direitos televisivos – com exceção dos direitos de transmissão radiofónica – o que, na verdade, já há muito que não é novidade no espaço europeu.

O diploma em apreço determina o fim do modelo de comercialização de direitos televisivos e multimédia atualmente em vigor, nos termos do qual os clubes comercializam individualmente os direitos de que são titulares, beneficiando em exclusivo das receitas televisivas e multimédia geradas pelos espetáculos desportivos por cuja organização são responsáveis, i.e., pelos espetáculos desportivos realizados no seu estádio.

A opção por um modelo de comercialização centralizada de direitos televisivos e multimédia surge justificada pelo facto de o modelo de comercialização individualizada atualmente adotado em Portugal alegadamente promover uma maior discrepância entre os vários clubes da Liga, na medida em que canaliza a obtenção das principais receitas para clubes de maior dimensão – os quais, em razão da maior massa associativa, recebem propostas mais avultadas para a comercialização dos respetivos direitos –, em desfavor dos clubes de menor dimensão. Em Portugal, segundo dados públicos, a centralização individualizada dos direitos de transmissão possibilitou aos denominados “grandes” a celebração de contratos milionários (rondando os EUR 450.000.000,00) e de longa duração com os grupos NOS e Altice.

De acordo com a informação constante do Comunicado do Conselho de Ministros de 25/02/2021, “no que concerne às receitas provenientes da comercialização [de direitos televisivos e multimédia], a diferença entre a sociedade desportiva que mais recebe e a que menos recebe é de aproximadamente 15 vezes”. Esta discrepância assume particular relevo num contexto em que a comercialização de direitos televisivos e multimédia representa a maior fonte de receita na indústria futebolística, influenciando decisivamente a competitividade dos campeonatos.

As críticas apontadas ao modelo de comercialização individualizada de direitos televisivos e multimédia não são recentes, tendo inclusivamente a Autoridade da Concorrência apresentado, em janeiro de 2019, uma Recomendação relativa a alterações na comercialização dos direitos de transmissão televisiva e multimédia da Primeira e Segunda Ligas de futebol, sublinhando preocupações do ponto de vista concorrencial quanto aos efeitos, duração e abrangência dos acordos celebrados pelos “três grandes”, considerando que o modelo em vigor limita a concorrência nos mercados de comercialização destes direitos.

Apesar disso, a ausência de consenso entre clubes no que respeita ao concreto modelo de comercialização a adotar tem vindo a adiar a transição para um modelo de comercialização centralizada, que há muito foi adotado – com sucesso – nas principais ligas europeias, como é o caso da Premier League, da Série A, da Bundesliga, da Ligue 1 e, mais recentemente, da La Liga.

O Decreto-Lei n.º 22-B/2021 dá assim acolhimento à recomendação da Autoridade da Concorrência, estabelecendo a adoção de um modelo de comercialização centralizada a partir da época desportiva 2028/2029, determinando que “os contratos celebrados por clube ou sociedade desportiva participantes nos campeonatos masculinos de futebol das I e II Ligas relativos aos direitos de transmissão não produzem efeitos para além da época desportiva de 2027-2028, considerando-se não escritas as cláusulas que disponham em contrário” (cfr. artigo 4.º do referido diploma).

Apesar de este modelo poder alegar-se menos atrativo para os clubes de maior dimensão, a realidade é que, partindo do exemplo das principais ligas europeias, a expectativa é que o mesmo tenderá a gerar vantagens económicas para todos os clubes das I e II Ligas, independentemente da sua dimensão. Existindo uma melhor e mais equitativa distribuição do valor total das receitas televisivas, os clubes de menor dimensão passarão a ter outra  capacidade de investir no reforço das suas equipas, gerando uma maior competitividade interna, o que, consequentemente, se espera torne a competição mais atrativa e crie um aumento das restantes fontes de receita.

Em todo o caso, a transição para um modelo centralizado de comercialização de direitos televisivos e multimédia não implica que a distribuição de receita seja feita salomonicamente entre todos os clubes. Atente-se, por exemplo, no modelo de inquestionável sucesso seguido na Premier League, em que 50% da receita obtida é repartida igualmente por todos os clubes, 25% é distribuída de acordo com os resultados desportivos de cada clube e os restantes 25% de acordo com a denominada TV Formula, que considera o número de jogos transmitidos ao vivo, o número de jogos não transmitidos ao vivo e a transmissão de highlights dos jogos.

A experiência comparada dos outros países permite também esperar que a transição para um modelo de comercialização centralizada gere vantagens para os canais desportivos e para os adeptos, na medida em que possibilitará uma disponibilização com maior periodicidade de um leque mais alargado de conteúdos desportivos, alinhado com as preferências dos consumidores.

A definição dos moldes em que será adotado o modelo de comercialização destes direitos caberá à Federação Portuguesa de Futebol e à Liga Portuguesa de Futebol Profissional, às quais caberá preparar uma proposta a apresentar até ao final da época desportiva de 2025/2026, sujeita a aprovação pela Autoridade da Concorrência. Sem prejuízo, os organizadores das competições desportivas, os clubes ou as sociedades desportivas nelas participantes e as entidades adquirentes poderão determinar, por acordo sujeito a aprovação da Autoridade da Concorrência, a antecipação da implementação deste modelo (cfr. artigo 5.º, n.os 1 e 2, do diploma em apreço).

Prevê-se ainda, no artigo 5.º, n.º 3, que caso não seja apresentada a referida proposta conjunta, ou a mesma não mereça aprovação pela Autoridade da Concorrência, ou ainda caso os agentes relevantes não alcancem qualquer acordo prévio, os termos do modelo de comercialização centralizada serão definidos unilateralmente pelo Governo, ouvida a Autoridade da Concorrência.

Sem prejuízo dos desenvolvimentos futuros do tema, a adoção do modelo de comercialização centralizada de direitos televisivos e de multimédia nos campeonatos masculinos de futebol da Liga NOS e da Ledman Liga Pro representa um importante passo, já dado com sucesso nas principais ligas europeias, em direção a uma liga de futebol mais competitiva e mais lucrativa, a benefício dos clubes, dos operadores televisivos e dos adeptos. 

Miguel Santos Almeida | msa@servulo.com

Maria Novo Baptista | mnb@servulo.com

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