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O recrutamento e a contratação de trabalhadores podem violar a Concorrência?

PUBLICAÇÕES SÉRVULO 05 Mai 2021

Chegou a altura das empresas, dos profissionais de recursos humanos (RH) e das agências de recrutamento terem atenção aos riscos anti-concorrenciais decorrentes de práticas de recrutamento e de contratação de trabalhadores.

A Autoridade da Concorrência (AdC) está atenta quanto aos acordos anti-concorrenciais entre empregadores que gerem danos aos trabalhadores e aos consumidores, em particular:

Acordos de não-angariação e/ou não-contratação (non-poach/wage-fixing agreements) – as empresas comprometem-se reciprocamente a não fazer ofertas de trabalho ou a contratar trabalhadores umas das outras; e

Acordos de fixação de salários e/ou de outras formas de remuneração dos trabalhadores (wage-fixing agreements) – as empresas harmonizam as remunerações e/ou outros complementos salariais dos seus trabalhadores.

Primeira Acusação em Portugal

A 13 Abril de 2021, a AdC emitiu uma acusação (Nota de Ilicitude), por um alegado acordo de não-contratação de trabalhadores, que terá envolvido a Liga Portuguesa de Futebol Profissional (LPFP) e 31 clubes desportivos da Primeira e Segunda Ligas de Futebol Profissional. Segundo a AdC, “[o] acordo impedia a contratação, pelos clubes da Primeira e Segunda Ligas, de futebolistas que rescindissem unilateralmente o contrato de trabalho invocando questões provocadas pela pandemia Covid-19. Por força deste acordo, um jogador que terminasse o seu contrato invocando razões relacionadas com a pandemia, não poderia ser contratado por outro clube da Primeira ou Segunda Ligas de futebol profissional em Portugal.”

Note-se que a adopção de uma Nota de Ilicitude não determina o resultado final da investigação, podendo as empresas visadas exercer o seu direito de audição e defesa e demonstrar que a prática não é restritiva da concorrência, ou não a restringe de forma sensível, ou até que se justifica à luz do direito da concorrência.

A decisão final do processo, qualquer que seja, não pode ignorar o período por que passamos, com o surto pandémico do Covid-19. Quanto ao impacto económico, afirma a LPFP em comunicado que “segundo estimativas já conhecidas, as perdas de receitas previsionais imediatas seriam na ordem dos 310 milhões de euros, o que significará um decréscimo de 60%, face aos 512 milhões de euros de valor de receitas operacionais na época 2018-19”. Ora, a nível da União Europeia e, também, em outros Estados membros da União Europeia, a pandemia já justificou decisões de arquivamento, reduções de coimas ou outras facilidades de pagamento da mesma[1].

O processo foi aberto pela AdC em Maio de 2020, tendo a AdC imposto uma medida cautelar à LPFP para que a sua deliberação de 8 de Abril desse ano, relativa ao alegado impedimento de contratação de futebolistas, cessasse a sua vigência com efeitos imediatos. Por essa razão, a terem existido eventuais nefastos para a concorrência os mesmos foram nulos ou praticamente inexistentes, fruto da intervenção célere da AdC; o que terá sempre de ser considerado em sede de decisão final. Esta é apenas a segunda vez em que a AdC lança mão de uma medida cautelar nos seus quase 20 anos de existência. Antevemos que será mais provável no futuro a aplicação de tais medidas pela AdC para travar a iminência de prejuízo, grave e irreparável ou de difícil reparação, para a concorrência. 

Consulta pública

Não parece coincidência que a AdC tenha submetido a discussão pública o seu Issues Paper sobre “Acordos no mercado de trabalho e política de concorrência”. Aí se diz que “[o] presente documento vem sensibilizar as empresas, os profissionais de recursos humanos e outros colaboradores, as agências de recrutamento, entre outros, para os eventuais efeitos negativos para os trabalhadores e os consumidores decorrentes de acordos anticoncorrenciais no mercado de trabalho. Para o efeito, a AdC elenca um conjunto de boas práticas relacionadas com o mercado do trabalho direcionadas às empresas”. A consulta pública termina a 9 de Junho de 2021. 

Boas Práticas

A AdC também fornece um “Guia de Boas Práticas no combate a acordos anticoncorrenciais no mercado de trabalho” de onde se destacam as seguintes:

  • Não acordar com outras empresas os salários, benefícios, ou outros termos de remuneração dos funcionários;
  • Não trocar com outra empresa informações específicas sobre remuneração de funcionários;
  • Não participar em reuniões com outras empresas sobre políticas internas de recrutamento e de remuneração;
  • Não se recusar a solicitar ou contratar funcionários de uma outra empresa;
  • Sensibilizar os trabalhadores, em particular os profissionais de recursos humanos, para o direito da concorrência, por exemplo, através de formação interna.

Porquê prevenir?

A compliance de concorrência dos profissionais de RH é crucial: a violação do Direito da Concorrência pode dar origem a multas elevadas (até 10% do volume de negócios do grupo económico), invalidade dos acordos, responsabilidade dos administradores/gestores e dos directores, acções de indemnização por parte de terceiros lesados e danos reputacionais.

Alberto Saavedra | as@servulo.com


[1] Cfr. também Comunicado do Steering Group da Rede Internacional de Concorrência (“International Competition Network - ICN”) subscrito pela AdC: “Concorrência durante e após a Pandemia COVID-19”, de Abril de 2020.