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COVID-19: Orientações da EBA sobre moratórias relativas a empréstimos

PUBLICAÇÕES SÉRVULO 06 Abr 2020

A. Enquadramento

De forma a minimizar os impactos económicos de médio e longo prazo resultantes da pandemia COVID-19, os Estados Membros têm vindo a implementar um largo conjunto de medidas para apoiar os devedores nos presentes desafios operacionais e de liquidez, incluindo moratórias nos pagamentos de obrigações creditícias. Não obstante poderem revestir diferentes formas, as moratórias têm geralmente a mesma substância económica: suspensão ou adiamento de pagamentos durante um período de tempo específico, após o qual os devedores devem regressar aos pagamentos regulares.

Neste contexto, a 25 de março de 2020, a Autoridade Bancária Europeia (“EBA”) emitiu uma declaração que visou esclarecer um conjunto de aspetos em relação ao uso de moratórias pública e privadas.

No passado dia 2 de abril, a EBA publicou as “Orientações sobre moratórias legislativas e não legislativas relativas a pagamentos de empréstimos aplicadas no contexto da crise da COVID-19” (EBA/GL/2020/02), com o objetivo de clarificar o efeito legal que as moratórias têm no quadro regulamentar atual, especialmente no que respeita à aplicação da definição de “incumprimento” e à classificação como “medidas de reestruturação” (“Orientações”).

Estas Orientações, que serão aplicáveis em Portugal a partir da data da sua tradução para português, abrangem as moratórias legislativas (públicas) e não legislativas (privadas) aplicadas até 30 de junho de 2020, sem prejuízo de este prazo poder ser prorrogado por decisão da autoridade europeia, se necessário.

B. Classificação das Exposições

1. “Medidas de reestruturação” e “incumprimento”

De acordo com o disposto no artigo 47.º-B, n.º 1, do Regulamento europeu relativo aos requisitos de fundos próprios (Regulamento (UE) n.º 575/2013 – Capital Requirements Regulation – “CRR”), uma medida de reestruturação é uma concessão de uma instituição de crédito a um seu devedor que se depare (ou seja provável que se venha a deparar) com dificuldades para cumprir os seus compromissos financeiros. Esta concessão é estruturada em função das circunstâncias específicas do devedor, sendo concedida após avaliação individual da capacidade de reembolso do devedor realizada pela instituição, e pode consistir (i) num refinanciamento integral ou parcial da dívida, ou (ii) numa alteração dos termos e condições da dívida (portanto, incluindo adiamento de pagamentos de capital e/ou juros de um empréstimo).

Diferentemente, as moratórias que têm vindo a ser implementadas pelos Estados Membros como resposta à pandemia COVID-19, regra geral, são preventivas e não são dirigidas a devedores específicos, nem conformadas pelas suas circunstâncias particulares.

A EBA vem clarificar que as normas regulatórias e legais existentes relativas a avaliação de riscos e a requisitos de fundos próprios devem continuar a ser aplicadas (a nível europeu, é particularmente relevante o CRR, acima referido, e o Regulamento Delegado (UE) 2018/171 da Comissão sobre o limiar para determinar o caráter significativo das obrigações de crédito vencidas, mas também as Orientações da EBA relativas à aplicação da definição de incumprimento nos termos do artigo 178.º do CRR (EBA/GL/2016/07)).

Assim, as instituições de crédito devem continuar a categorizar as exposições como produtivas ou não produtivas (performing ou non-performing) de acordo com os requisitos aplicáveis. Por essa razão, as classificações como medida de reestruturação anteriores à aplicação da moratória não devem ser alteradas. Além disso, a EBA veio ainda esclarecer que as novas classificações devem ter em conta a diferença entre uma moratória geral e qualquer outra forma de medidas individuais e de renegociação de empréstimos baseadas na situação específica do devedor:

  • A aplicação de uma moratória geral não é considerada uma medida de reestruturação, nem, portanto, uma reestruturação urgente. Assim, não deve ser reconduzida a uma forma de redução da obrigação financeira, pelo que não poderá ser entendida como indicação de reduzida probabilidade de pagamento (para os efeitos de considerar o devedor em incumprimento nos termos do CRR).
  • • A aplicação de uma medida individual e a renegociação de empréstimos baseadas na situação específica do devedor devem ser classificados como medida de reestruturação se estiverem preenchidos os requisitos previstos no CRR (numa apreciação casuística).

2. Moratória geral

De acordo com a EBA, uma moratória geral tem de cumprir os requisitos seguintes para que não seja considerada medida de reestruturação:

  •  A moratória foi lançada em resposta à pandemia COVID-19.

A moratória pretende responder a faltas de liquidez de curto prazo e deve ser anunciada e aplicada até 30 de junho de 2020 – ou data posterior se a EBA decidir por uma prorrogação do prazo –, incluindo as moratórias concedidas antes da aplicação das Orientações.

  • A moratória tem de ser aplicada amplamente pelas instituições.

Esta amplitude pode ser obtida através de lei nacional (aplicável a todas as instituições de crédito de uma determinada jurisdição, como aconteceu em Portugal com o Decreto-Lei n.º 10-J/2020 de 26 de março (“DL 10-J/2020”) ou através de uma iniciativa setorial ou industrial privada acordada e aplicada de forma abrangente por instituições relevantes.

  • A moratória tem de ser aplicável a um conjunto alargado de devedores.

A moratória tem de estar disponível para um número elevado de devedores com características predefinidas (conjunto delimitado, por exemplo, pela sua categoria de exposição, produto, indústria ou região), independentemente da sua capacidade creditícia.

A moratória não é obrigatória para os devedores, podendo exigir-se que os devedores apresentem requerimento e que comprovem a extensão dos prejuízos sofridos com a pandemia.

  • A moratória tem de oferecer as mesmas condições para os devedores por ela abrangidos.
  • A moratória apenas altera o calendário de pagamentos.

A moratória suspende, adia ou reduz os pagamentos (capital, juros ou ambos) durante um período limitado de tempo, podendo levar a um aumento dos montantes devidos após o período da moratória ou a um aumento da duração do empréstimo. Os restantes termos e condições, contudo, não devem ser alterados a não ser para garantir que o impacto no valor atual líquido (net presente value) é neutralizado. Concretamente, para estes efeitos, não é considerada alteração relevante dos termos e condições do empréstimo: (i) em caso de empréstimo com taxa de juro variável, a adaptação normal da taxa de juro de acordo com a taxa de referência; e (ii) a existência de garantias públicas concedidas no âmbito da moratória.

  • A moratória não se aplica a novos empréstimos concedidos após o lançamento da moratória.

O uso de linhas de crédito existentes ou a renovação de empréstimos renováveis (revolving loans) não é considerado novo empréstimo, de acordo com as Orientações da EBA.

C. Avaliação da Reduzida Probabilidade de Pagamento

As instituições de crédito devem, durante a aplicação da moratória e depois de esta terminar, continuar a rever regularmente as indicações de reduzida probabilidade de pagamento, de acordo com as suas políticas e práticas habituais, baseadas no calendário de pagamentos revisto e sem considerarem relevantes as mitigações do risco resultantes de garantias prestadas por terceiros. Além disso, na medida do possível, e quando sejam realizados controlos manuais, as instituições devem priorizar a avaliação de devedores para quem os efeitos da pandemia COVID-19 poderão, com maior probabilidade, resultar em dificuldades financeiras de longo prazo ou mesmo em insolvência.

D. Documentos e Notificações

As instituições de crédito devem recolher dados sobre o âmbito e os efeitos da aplicação da moratória e comunicar a informação relevante às autoridades competentes (e.g. lista dos devedores/exposições abrangidos pela moratória – aqueles abrangidos pelo âmbito e aqueles a quem a moratória foi efetivamente aplicada; e perdas económicas potenciais que resultem da aplicação da moratória e que possam ter impacto nas suas demonstrações financeiras).

E. Moratória Concedida em Portugal pelo DL 10-J/2020

No passado dia 27 de março de 2020, entrou em vigor em Portugal o DL 10-J/2020, acima referido, que concedeu uma moratória a empresas e a particulares, permitindo a prorrogação de créditos com pagamento de capital no final do contrato e a suspensão de pagamentos de capital e juros relativamente a créditos com reembolso ou vencimento parcelares.

Esta moratória, que pretende ser uma resposta à crise gerada pela pandemia COVID-19, é aplicável a um grupo alargado e predeterminado de devedores e a empréstimos vigentes à data de entrada em vigor do diploma, oferece as mesmas condições aos beneficiários abrangidos e permite alterar apenas o calendário de pagamentos. Contudo, esta moratória é concedida até 30 de setembro de 2020, levantando dúvidas sobre a aplicabilidade das Orientações da EBA quando a moratória seja requerida pelo beneficiário após 30 de junho de 2020 ou quando, tendo sido requerida em data anterior, o devedor beneficie dela após aquela data.

Maria Gabriela Teixeira Duarte | gtd@servulo.com