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Espelho meu, espelho meu, haverá alguma empresa mais verde do que eu? O projeto de orientações da Competition and Markets Authority para prevenir o green washing

PUBLICAÇÕES SÉRVULO 31 Mai 2021

As dinâmicas no mundo do consumo têm vindo a sofrer alterações, fruto da crescente consciencialização ambiental dos diferentes agentes económicos. Por um lado, são muitas as empresas que estão cada vez mais empenhadas em adotar procedimentos mais verdes, assim como produzir produtos mais ecológicos ou com um impacto ambiental neutro. Por outro, muitos consumidores colocam os efeitos ambientais de um determinado produto ou serviço como critério importante nas suas escolhas.

A comunicação, neste novo contexto, coloca especiais dificuldades e tentações, desde logo, de sobrestimação dos benefícios ambientais podendo levar os consumidores a entender um determinado produto ou serviço como mais sustentável ou ecológico daquilo que, na realidade, é. Entre nós, e como já havíamos referido em update anterior, as alegações ambientais falsas são consideradas práticas comerciais desleais nos termos do Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de março, na sua redação atual, e punidas como contraordenações graves nos termos do Regime Jurídico das Contraordenações Económicas, também já apresentado pela Sérvulo.

É significativo e digno de consideração como o tema tem vindo a ser tratado. No Reino Unido, a CMA adotou um projeto de orientações sobre alegações ambientais para cumprir um propósito de consumer advocacy. As referidas orientações ocupam-se, de modo particular, do chamado green washing. E assim o é, especialmente na sequência do rastreio (screening) realizado à escala mundial, publicitado já este ano pela Comissão Europeia, o qual revelou que, em cerca de 500 sites nos mais diversos setores, 42% revelavam possíveis práticas de green washing.

A CMA apresenta seis princípios – acompanhados de exemplos diversos e concretos - nos quais as alegações ambientais das empresas devem assentar de modo a que seja transmitida aos consumidores a informação necessária para que os mesmos tomem decisões informadas. Assim, em linha com o que, em traços mais gerais e amplos, resulta do Pacto Ecológico Europeu e da Nova Agenda do Consumidor, a CMA propõe que as alegações ambientais das empresas:

  1. Devem ser verdadeiras e exatas, não podendo transmitir aos consumidores ideias imprecisas (e.g., um produto ser designado como “sustentável” quando apenas 30% do seu processo de fabrico o é) ainda que factualmente corretas. Isto significa que um produto só deve ser apresentado como sustentável na exata medida em que efetivamente o é. Adicionalmente, um produto ou um serviço não deve ser apresentado como ecológico ou sustentável quando, por exemplo, a razão de ser de tal alegação resulta do cumprimento de obrigações legais;
  2. Devem ser claras e inequívocas de modo a que sejam facilmente compreendidas pelos consumidores não dando a ideia de que um determinado produto ou serviço é melhor para o ambiente do que aquilo que realmente é. Assim, é desaconselhado o recurso a expressões vagas e genéricas que podem ser enganadoras. Acresce que, referências a ambições de uma determinada empresa quanto a objetivos ou metas futuras, só devem ser apresentadas se as mesmas tiverem por base uma estratégica clara e sindicável para atingir aqueles objetivos e que correspondam aos esforços reais e atuais da empresa em matéria ambiental;
  3. Não devem omitir ou esconder informação importante, na medida em que os consumidores, para tomarem decisões informadas, devem ter acesso à globalidade da informação, especialmente se aquela que for omitida for suscetível de alterar a perceção dos consumidores quanto ao impacto ambiental de um determinado produto ou serviço. Exemplificativamente, se os materiais utilizados na conceção de um produto até são de origem sustentável, mas o material utilizado no embalamento não é reciclável, ao fazerem alegações ambientais, as empresas deverão dar conta de ambos os pontos;
  4. Quando se baseiam em comparações devem ser justas e significativas, assentando em informação objetiva, de modo a que os consumidores não sejam induzidos em erro considerando um produto ou serviço como mais ecológico ou sustentável em detrimento de outros. As comparações devem ser feitas entre produtos ou serviços semelhantes ou com finalidades idênticas, assim como deve ser feita quanto a aspetos importantes, relevantes e verificáveis do produto ou serviço em causa;
  5. O ciclo de vida completo do produto deve ser tido em consideração, pois tanto a conceção do mesmo como a sua gestão após o término da sua vida útil poderão ser relevantes relativamente aos impactos ambientais. Por exemplo, se uma empresa alegar que um determinado produto tem uma pegada carbónica diminuta, pois conseguiu reduzir as emissões geradas na sua produção, mas o transporte inerente à sua comercialização é altamente poluente e tal informação for ocultada, podemos estar perante um caso de green washing;
  6. Devem ser fundamentadas e possíveis de provar com base em dados científicos, ou seja, as empresas devem ter provas que sustentem cabalmente as suas alegações. Pretende-se, assim, evitar alegações subjetivas ou hiperbolizadas exigindo-se alegações baseadas em provas ou estudos credíveis, robustos e atualizados.

É certo que este projeto de orientações, ao ter a sua origem na CMA, não equivale à posição das autoridades portuguesas ou europeias em matéria de alegações ambientais e prevenção do green washing, mas a verdade é que a generalidade dos princípios constantes do projecto são entendimentos comuns a jurisdições de diferentes latitudes e longitudes. Aliás, sob a égide da International Consumer Protection Enforcement Network (ICPEN) e em conjunto com a Authority for Consumer and Markets (ACM) nos Países Baixos, a CMA encontra-se a preparar um projeto de orientações semelhante, mas com um âmbito de aplicação global.

Neste sentido, o projeto de orientações que brevemente se apresentou deve ser visto como uma oportunidade para as empresas analisarem, de um ponto de vista bastante concreto e com exemplos, que tipo de comunicação deve ser adotada, assim como quais os tipos de discursos publicitários que são desaconselhados. Este é o momento em que as empresas se devem focar em compliance e apostar numa transição ambiental verdadeira e fidedigna, não se deixando seduzir pelo fruto proibido do Éden do green washing, tendo em especial consideração a dimensão mediática que o assunto atualmente revela.

Fechamos com as palavras do Comissário responsável pela Justiça, Didier Reynders, as quais transmitem a ideia que nos parece que mais se deve interiorizar neste contexto: “More and more people want to live a green life, and I applaud companies that strive to produce eco-friendly products or services. However, there are also unscrupulous traders out there, who pull the wool over consumers' eyes with vague, false or exaggerated claims. The Commission is fully committed to empowering consumers in the green transition and fighting greenwashing.

Guilherme Oliveira e Costa | goc@servulo.com