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Alterações ao Regime da Gestão de Ativos decorrentes do Decreto-Lei n.º 103/2025, de 11 de setembro

SÉRVULO PUBLICATIONS 01 Oct 2025

No passado dia 11 de setembro foi publicado o Decreto-Lei n.º 103/2025, que transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva (UE) 2021/2167, que harmoniza o acesso e o exercício da gestão de créditos bancários não produtivos e define os requisitos para os adquirentes de créditos.

Neste contexto, o Decreto-Lei n.º 103/2025 introduziu alterações a diversos diplomas do setor financeiro, incluindo ao Decreto-Lei n.º 27/2023, de 28 de abril, que aprova o Regime da Gestão de Ativos (“RGA”). Desta forma, concretizou-se a segunda alteração ao RGA.

Em especial, o referido Decreto-Lei n.º 103/2025 veio alterar o artigo 183.º do RGA, sobre o dever de diligência das sociedades gestoras de organismos de investimento coletivo em valores mobiliários (“OICVM”) e o artigo 234.º do RGA, que regula a atividade dos organismos de investimento alternativo (“OIA”) de créditos[1].

1. Reforço do dever de diligência das sociedades gestoras de OICVM no contexto da sustentabilidade

A nova redação da parte final do n.º 4 do artigo 183.º do RGA, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 103/2025, reforça o dever de as sociedades gestoras de OICVM integrarem a análise dos principais impactos negativos das suas decisões de investimento sobre fatores de sustentabilidade[2]. Este dever aplica-se não só ao cumprimento dos requisitos de diligência previstos nos n.ºs 1 e 2, mas também, de forma clara, aos deveres previstos no n.º 3 do mesmo artigo, abrangendo adicionalmente aspetos relacionados com a subcontratação e a gestão de riscos[3].

De um lado, o n.º 3 do artigo 183.º do RGA estabelece que as sociedades gestoras de OICVM devem ter em consideração os riscos de sustentabilidade[4] no cumprimento de diversos requisitos de diligência devida que lhes são aplicáveis[5]. De outro lado, o n.º 4 do artigo 183.º do RGA determina que, sempre que as sociedades gestoras de OICVM considerem os principais impactos negativos decorrentes de decisões de investimento sobre fatores de sustentabilidade, devem integrar essa consideração no cumprimento desses mesmos requisitos.

Esta modificação teve como objetivo harmonizar a redação do artigo 183.º, n.º 4 do RGA com o artigo 23.º, n.º 6 da Diretiva 2010/43/UE, promovendo, assim, um alinhamento com a legislação europeia aplicável[6]. Contudo, importa realçar que subsiste uma assimetria relativamente ao regime previsto para as sociedades gestoras de OIA nesta matéria, no artigo 18.º, n.º 6 do Regulamento Delegado (UE) n.º 231/2013 da Comissão, de 19 de dezembro de 2012[7]. Tal diferenciação decorre do próprio direito europeu, que consagra regimes distintos para sociedades gestoras OICVM e de OIA.

2. Regras aplicáveis a OIA de créditos na cessão de créditos bancários

O Decreto-Lei n.º 103/2025 aprovou, no seu Anexo I, o Regime da Cessão e Gestão de Créditos Bancários (“RCGCB”), aplicável aos OIA de créditos[8]. Nos termos deste regime, as instituições de crédito, as instituições de pagamento, as instituições de moeda eletrónica, as instituições financeiras e as sociedades financeiras[9] podem ceder créditos ou posições contratuais constituídas em contratos de crédito a OIA de créditos.

Nessa medida, o legislador promoveu a alteração do artigo 234.º do RGA, que regula a atividade dos OIA de créditos, aditando um novo n.º 5, no qual delimita os aspetos do RCGCB aplicáveis aos OIA de créditos em caso de cessão abrangida pelo referido regime.

Em concreto, o OIA de crédito fica sujeito, com as devidas adaptações, aos seguintes deveres:

(i) Neutralidade da cessão: O OIA de créditos está sujeito, na mesma medida que a instituição cedente, à legislação aplicável ao direito de crédito ou contrato de crédito objeto da cessão, incluindo em matéria contratual, penal, de proteção dos consumidores e dos restantes devedores[10].

(ii) Deveres resultantes da legislação aplicável ao objeto de cessão: O OIA de crédito deve ainda assegurar o disposto em matéria de[11]:

    1. Prestação de informação periódica durante a vigência do contrato, reembolso antecipado dos contratos de crédito, emissão e envio gratuito ao devedor do documento com vista à extinção da garantia real, incumprimento definitivo do contrato e à perda do benefício do prazo nos termos previstos nos Decretos-Leis n.ºs133/2009, de 2 de junho, e 74-A/2017, de 23 de junho, nas suas redações atuais, e na regulamentação aplicável;
    2. Designação do cumprimento do contrato de crédito por parte do devedor e do direito à retoma do contrato de crédito, nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23 de junho, na sua redação atual;
    3. Limites a juros de mora e outros encargos nos termos do Decreto-Lei n.º 58/2013, de 8 de maio;
    4. Acompanhamento e gestão de situações de risco de incumprimento e de regularização extrajudicial das situações de incumprimento de contratos de crédito, nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, na sua redação atual, e na regulamentação aplicável.
    5. O cumprimento dos deveres relativos aos garantes de contratos de crédito objeto de cessão, em particular do disposto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, na sua redação atual sobre deveres de informação e interpelação do fiador.

(iii) Efeitos: A produção de efeitos da cessão depende do envio da comunicação ao devedor, nos termos previstos na alínea (vi)[12].

(iv) Deveres gerais: O OIA de créditos deve atuar de forma profissional, com lealdade e no respeito consciencioso dos interesses do devedor, bem como prestar informação clara, objetiva e verdadeira[13].

(v) Deveres de reporte ao Banco de Portugal: O OIA de créditos deve enviar ao Banco de Portugal um conjunto de informações relativas às cessões efetuadas, incluindo informação sobre se as cessões incluem contratos de créditos celebrados com consumidores e o tipo de garantia associada, se aplicável[14].

(vi) Dever de comunicação ao devedor: O OIA de créditos deve enviar ao devedor, no prazo de 10 dias após a cessão e, em qualquer caso, antes da primeira cobrança, uma comunicação contendo um conjunto de elementos, entre os quais, informação sobre a ocorrência da cessão e respetiva data, a identificação e os elementos de contacto do cessionário, os valores em dívida pelo devedor no momento da comunicação e uma declaração sobre a manutenção da legislação e regulamentação aplicável ao crédito após a cessão[15].

(vii) Supervisão: Compete ao Banco de Portugal supervisionar, com os poderes e nos termos do RCGCB, o cumprimento dos deveres acima aplicáveis aos OIA de créditos.

3. Balanço: o fim da unicidade de supervisão

Em face do exposto, sublinha-se que o novo regime para a cessão e gestão de créditos bancários, aplicável aos OIA de créditos, ao impor deveres de reporte ao Banco de Portugal, sujeita os OIA de créditos à supervisão parcial desta autoridade.

Com esta novidade, passou a ser quebrada a importante regra de unicidade de supervisão de sociedades gestoras de OIC, que tinha sido adotada pelo Decreto-Lei n.º 144/2019 e continuada com a redação originária do RGA. Em 2019, anunciava-se que a unicidade de supervisão visava “eliminar sobreposições e redundâncias na supervisão e tornar o setor mais eficiente”. Resta saber se a prática aplicativa decorrente desta alteração ao RGA é apta a evitar os riscos que então foram eliminados.

Paulo Câmara | pc@servulo.com

Andreea Babicean | aba@servulo.com



[1] Artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 103/2025.

[2] Por “fatores de sustentabilidade” entendem-se “as questões ambientais, sociais e laborais, o respeito dos  direitos humanos, a luta contra a corrupção e o suborno” (artigo 2.º, ponto 24) do Regulamento (UE) 2019/2088 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de novembro de 2019, relativo à divulgação de informações relacionadas com a sustentabilidade no setor dos serviços financeiros, na sua redação atual (“SFDR”). Cfr. ainda artigo 4.º, n.º 1, al. a) SFDR.

[3] Cfr. artigo 70.º, n.ºs 2, al. c) e 8 e 184.º, n.ºs 2 e 3 RGA.

[4] Por “Risco em matéria de sustentabilidade” deve entender-se “um acontecimento ou condição de natureza ambiental, social ou de governação cuja ocorrência é suscetível de provocar um impacto negativo significativo efetivo ou potencial no valor do investimento” (cfr. artigo 2.º, ponto 22) do SFDR).

[5] Cf. artigo 183.º, n.º 3 do RGA, que remete para os n.ºs 1 e 2 do mesmo artigo e, bem assim, para a al. c) do n.º 2 e n.º 8 do artigo 70.º e para os n.ºs 2 e 3 do artigo 184.º, todos do RGA.

[6] Diretiva n.º 2010/43/UE da Comissão, de 1 de Julho de 2010, que aplica a Diretiva 2009/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho no que diz respeito aos requisitos organizativos, aos conflitos de interesse, ao exercício da actividade, à gestão de riscos e ao conteúdo do acordo celebrado entre o depositário e a sociedade gestora, conforme alterada pela Diretiva Delegada (UE) 2021/1270 da Comissão de 21 de abril de 2021.

[7] Regulamento Delegado (UE) n.º 231/2013 da Comissão de 19 de dezembro de 2012, que complementa a Diretiva 2011/61/UE do Parlamento Europeu e do Conselho no que diz respeito às isenções, condições gerais de funcionamento, depositários, efeito de alavanca, transparência e supervisão, conforme alterado.

[8] Cf. artigo 2.º, n.º 5, al. a) do RCGCB.

[9] Cfr. artigo 2.º, n.º 1 RCGCB.

[10] Cfr. artigo 6.º, nº 1 RCGCB.

[11] Cfr. artigo 29.º, n.ºs 2 e 3 RCGCB.

[12] Cfr. artigos 7.º, n.º 2, al. b) e 28.º, n.º 1 RCGCB.

[13] Cfr. artigo 13.º, n.º 1, alíneas b) e c) RCGCB.

[14] Cfr. artigo 9.º, n.ºs 2, al. a) e 1, al. e) RCGCB.

[15] Cfr. artigo 28.º, n.º 1, alíneas a), b), g) e h) RCGCB.

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