Banco de Portugal atualiza a regulamentação dos sistemas de governo e controlo interno das entidades financeiras
SÉRVULO PUBLICATIONS 16 Apr 2025
O Banco de Portugal divulgou recentemente atualizações relevantes à regulamentação dos sistemas de governo e controlo interno das entidades financeiras, mediante a publicação do Aviso do Banco de Portugal n.º 2/2025, que altera o Aviso n.º 3/2020, relativo à cultura organizacional e aos sistemas de governo e controlo interno das entidades sujeitas à supervisão do Banco de Portugal, e da Instrução do Banco de Portugal n.º 4/2025, que altera a Instrução n.º 18/2020, relativa aos deveres de reporte associados ao Aviso n.º 3/2020. Em ambos os casos, os diplomas alterados são integralmente republicados em novas versões consolidadas.
No seu conjunto, as alterações procedem a uma atualização e a uma densificação da regulamentação dos sistemas de governo e controlo interno, em face da experiência adquirida desde o início de vigência do Aviso n.º 3/2020. Em alguns casos, o Banco de Portugal vem acrescentar maior granularidade a muitos deveres já existentes, enquanto em alguns casos cria maior flexibilidade para que as instituições supervisionadas possam adotar sistemas de governo e controlo interno adequadas e proporcionais ao seu objeto e dimensão.
1. Governo interno
Ao nível do governo interno, as alterações do Aviso n.º 2/2025 trazem maior pormenor ao elenco de deveres que recaem sobre os órgãos de administração e de fiscalização, passando a prever expressamente:
a) Que os referidos órgãos devem aprovar e adotar regulamentos internos e planos de formação próprios;
b) Que as instituições sujeitas ao disposto no Aviso n.º 3/2020, devem adotar um órgão de fiscalização (colegial ou fiscal único), com exceção das sucursais de instituições de crédito, de instituições financeiras e de empresas de investimento com sede em países que não sejam Estados-Membros da União Europeia;
c) Que o órgão de fiscalização deve prever, no seu regulamento interno, procedimentos necessários a assegurar o adequado exercício das suas funções, cabendo ao órgão de administração assegurar que o órgão de fiscalização dispõe de todos os recursos e informação que considere necessários; e
d) Que as atas das reuniões dos órgãos colegiais passam a ter de identificar os participantes e os membros do órgão colegial em causa que estiveram presentes em cada ponto da agenda.
2. Controlo interno e gestão de riscos
No âmbito dos sistemas de controlo interno e gestão de riscos, a Instrução n.º 4/2025 altera os Anexos I e II da Instrução n.º 18/2020, atualizando as categorias e subcategorias de risco e a metodologia de classificação de deficiências. Assinala-se, a este respeito, que o Aviso n.º 2/2025 elimina o conceito de “insuficiências” anteriormente existente, que passa a estar subsumido de forma global no conceito de “deficiências”.
De acordo com o Aviso n.º 2/2025, passa a prever-se expressamente que as funções de controlo interno devem dispor de uma linha de reporte direta aos órgãos de administração e de fiscalização e aos comités que, pela natureza das suas responsabilidades, devam receber informação e interagir com as funções de controlo interno.
Por outro lado, passa a ser permitida a flexibilização do modelo organizativo interno, podendo a função de gestão de riscos ser desdobrada em várias unidades de estrutura desde que:
a) Uma dessas unidades assegure uma visão global integrada da gestão de riscos;
b) Todas as unidades reportem ao mesmo administrador executivo;
c) A proposta de reorganização interna seja previamente notificada ao Banco de Portugal, para que este se possa pronunciar sobre as alterações.
Finalmente, em certos casos permite-se uma flexibilização adicional da estrutura de controlo interno e gestão de riscos em face da dimensão das instituições supervisionadas, o que sucede nos casos seguintes:
a) As instituições habilitadas a receber depósitos cujo valor total dos ativos seja inferior a €3.000.000.000 e que não prestem serviços comuns ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 50.º do Aviso n.º 3/2020 podem reunir numa só unidade operacional as funções de gestão de riscos e de conformidade; e
b) As agências de câmbio cujo número de colaboradores, excluindo os membros dos órgãos de administração e fiscalização, seja inferior a 30 e cujos proveitos operacionais no último exercício económico sejam inferiores a €20.000.000 podem dispensar a a função de auditoria interna.
3. Partes relacionadas e conflito de interesses
No âmbito da gestão do risco relacionado com transações com partes relacionadas, o Aviso n.º 2/2025 passa a elencar uma série de requisitos concretos quanto ao teor da política sobre conflito de interesses e transações com partes relacionadas, nomeadamente a nível de procedimentos relacionados com identificação das exposições, cumprimento de obrigações legais e comunicações ao Banco de Portugal, e responsabilidade dos diretores de topo, que passam a reportar trimestralmente informação sobre essa monitorização às funções de gestão de risco e de conformidade, assim como aos órgãos de administração e fiscalização.
4. Subcontratação
Com o Aviso n.º 2/2025, passa a permitir-se, excecionalmente, o recurso à subcontratação das tarefas operacionais das funções de controlo interno, desde que a mesma seja devidamente justificada. Caso a entidade subcontratada não pertença ao mesmo grupo da instituição subcontratante, devem ser identificadas as situações de conflitos de interesses que decorram da subcontratação em causa e ser adotadas as medidas adequadas com vista à sua gestão e mitigação.
5. Revisor oficial de contas
A alteração do revisor oficial de contas ou sociedade de revisores oficiais de contas passa a ser objeto de reporte obrigatório ao Banco de Portugal para todas as instituições habilitadas a receber depósitos, com exceção das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo.
6. Políticas e práticas remuneratórias e avaliação de desempenho
A nova redação do Aviso n.º 3/2020 resultante do Aviso n.º 2/2025 vem densificar os requisitos quanto ao processo de identificação dos colaboradores com impacto material no perfil de risco, passando a determinar-se a inclusão de todos os colaboradores que exerceram funções com impacto material no perfil de risco da instituição durante um período mínimo de três meses em cada exercício financeiro.
Por outro lado, o reporte em questão passa a seguir o formato do novo Anexo IV introduzido pela Instrução n.º 4/2025, passando de 31 de dezembro para 31 de janeiro de cada ano.
7. Autoavaliação
São alterados os requisitos aplicáveis ao relatório anual de autoavaliação da adequação e eficácia da cultura organizacional e sistemas de governo e controlo interno em vigor, quer no que diz respeito ao prazo de reporte e período de referência, quer quanto ao teor do próprio relatório:
a) O periodo de referência do relatório anual passa de 30 de novembro para 30 de setembro de cada ano e o prazo de reporte passa de 31 de dezembro para 15 de novembro;
b) Passa a exigir-se a inclusão e ponderação dos resultados das avaliações externas independentes que tenham sido realizadas durante o periodo de referência;
c) Pelo menos uma vez em cada mandato, o órgão de fiscalização deve recorrer obrigatoriamente aos serviços do seu revisor oficial de contas ou sociedade de revisores oficiais de contas da instituição, para efeitos da emissão da respetiva autoavaliação;
d) O relatório anual deve incluir o reporte de informação sobre deficiências identificadas e corrigidas no período de referência;
e) No caso de grupos financeiros, apesar de continuarem a ser elaborados relatórios anuais individuais das filiais, passa a ser reportado à autoridade de supervisão competente apenas o relatório do grupo pela empresa-mãe.
8. Disposições transitórias
De modo que as instituições se possam adaptar às alterações constantes do Aviso n.º 2/2025 e da Instrução n.º 4/2025, as instituições supervisionadas dispõem de um prazo de 6 (seis) meses a contar da sua entrada em vigor. No caso das instituições que passam a dever contar obrigatoriamente com um órgão de fiscalização, terão um prazo de 12 (doze) meses para proceder às alterações necessárias para o efeito.
O primeiro reporte do relatório anual de autoavaliação e do relatório de participação de irregularidades ao abrigo das alterações introduzidas ocorre até ao dia 15 de novembro de 2025, tendo como referência o período compreendido entre o dia 1 de dezembro de 2024 e o dia 30 de setembro de 2025.
Por seu turno, o primeiro reporte do universo de colaboradores que têm impacto material no perfil de risco da instituição, deve ser efetuado até ao dia 31 de janeiro de 2026, com referência ao ano de 2025.
Patrícia Costa Gomes | pcg@servulo.com