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Crónica de uma Reforma anunciada - As alterações ao CCP e à Lei n.º 30/2021: em especial, a alteração do paradigma nas empreitadas de conceção-construção

SÉRVULO PUBLICATIONS 23 Oct 2025

Foi publicado o Decreto-Lei n.º 112/2025, de 23 de outubro que procede à décima quinta alteração ao Código dos Contratos Públicos (CCP), e à terceira alteração à Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, que estabelece medidas especiais de contratação pública.

As alterações impressas pelo Decreto-Lei n.º 112 /2025, de 23 de outubro, apesar de não configurarem, ainda, como se reconhece no preâmbulo deste diploma, a grande reforma do Estado anunciada pelo Governo, vêm, desde já, dar-lhe um avanço, procurando assegurar “o desenvolvimento imediato de mecanismos de mobilização e estímulo dos agentes do setor da construção, com vista ao reforço da oferta habitacional e, consequentemente, à mitigação do desequilíbrio entre a oferta e a procura”.

Assim, reconhecendo, por um lado, a importância de “eliminar entraves legais ao aproveitamento, pelas entidades adjudicantes, dos benefícios das técnicas construtivas associadas à fabricação “off-site” e, em geral, das vantagens associadas à contratação combinada das prestações de conceção e construção” e, por outro, a circunstância de “em sede de contratação pública, a adoção destas técnicas [estar] limitada” em razão de o recurso à figura da conceção-construção permanecer uma exceção , à luz da redação do artigo 43.º do Código dos Contratos Públicos, o Governo decidiu alterar a redação do artigo 43.º de modo a que as entidades adjudicantes possam “recorrer à figura da conceção-construção não apenas em casos excecionais e devidamente fundamentados, mas sempre que, segundo juízos de discricionariedade e à luz dos interesses públicos em presença, concluam pela adequação daquela modalidade contratual

Para esse efeito, o Decreto-Lei n.º 112/2025, de 23 de outubro veio alterar a redação do artigo 43.º do Código dos Contratos Públicos, tendo sido alterada, em particular, a redação do n.º 3 deste artigo que agora dispõe que “[a] entidade adjudicante pode prever a elaboração do projeto de execução como aspeto da execução do contrato a celebrar, caso em que o caderno de encargos deve ser integrado apenas por um programa preliminar e o preço base nele definido deve discriminar separadamente os montantes máximos que a entidade adjudicante se dispõe a pagar pela execução das prestações correspondentes à conceção e à execução da obra”. 

Portanto, a regra geral de contratação nas de empreitadas de obras públicas deixou de ser o recurso à empreitada de construção, a que estava associada o recurso apenas excecional e só admissível se devidamente fundamentado, à conceção-construção, que só poderia ter lugar nos casos em que o adjudicatário deveria assumir obrigações  “de resultado relativas à utilização da obra a realizar, ou nos quais a complexidade técnica do processo construtivo da obra a realizar requeira, em razão da tecnicidade própria dos concorrentes, a especial ligação destes à conceção daquela” (cfr. o revogado  n.º 3 do artigo 43.º do CCP, na versão impressa pelo Decreto-Lei n.º 149/2012, de 12 de julho), para passar a ser uma regra geral dual de admissibilidade quer das empreitadas de construção, quer das empreitadas conceção-construção

E, nesta medida, a opção das entidades adjudicantes pela conceção-construção deixou de estar sujeita a um especial dever de fundamentação e de estar limitada aos casos excecionais previstos no anterior n.º 3 do artigo 43.º do CCP, para passar ser uma opção a exercer, livremente, segundo um juízo puramente discricionário das entidades adjudicantes, informado, evidentemente, pelos princípios gerais que regem a atividade administrativa (e, em especial, pelo interesse público), sem estar sujeita a quaisquer outros condicionalismos ou a uma qualquer tipicidade estrita, como sucedia até hoje. 

Trata-se, portanto, de uma verdadeira – e dir-se-á, significativa – alteração do paradigma do recurso à conceção-construção em Portugal, alinhada com as práticas e tendências internacionais, que já há muito vulgarizavam o recurso a este tipo de contratação[1], atentas as suas vantagens: possibilidade de aceleração dos prazos de execução e um controlo mais eficaz de custos[2], simplificação da gestão da empreitada, e a sua melhor adequação a projetos de elevada complexidade técnica ou que exigem celeridade e/ou importem a aplicação de técnicas inovadoras, como sucede nas grandes infraestruturas ou na construção modular, onde o recurso ao BIM[3]é cada vez mais determinante. 

Isto, claro, além das vantagens que a conceção-construção oferece no que respeita à gestão e distribuição do risco contratual, desde logo pela centralização da responsabilidade (a chamada single-point-responsability)[4] num único sujeito - o empreiteiro-projetista -, que assumirá, em regra, o risco da conceção e da execução da empreitada, o que permite ao dono da obra uma interlocução simplificada e uma responsabilização direta do empreiteiro-projetista no caso de se verificarem erros ou omissões do projeto de execução, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 378.º do CCP, reduzindo a fragmentação típica da responsabilidade que se verifica no modelo tradicional da empreitada de construção[5], que, como se sabe, é difusa entre a tríade composta pelo projetista, empreiteiro e dono da obra[6] [7], centrando-a, ao invés, diretamente (e apenas) no empreiteiro. 

É certo que a abertura legislativa para esta opção de fundo agora final e formalmente adotada pelo legislador, já tinha sido iniciada com o artigo 2.º-A da Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, na versão impressa pelo Decreto-Lei n.º 78/2022, de 7 de novembro, onde já se tinha previsto um regime especial de empreitadas de conceção-construção. 

No entanto, o regime aí previsto, além de excecional e transitório, só se aplicava no âmbito das medidas especiais de contratação pública, aos contratos previstos na Lei n.º 30/2021, motivo pelo qual, só através do Decreto-Lei n.º 112/2025, de 23 de outubro é que se veio, efetivamente, mudar o paradigma da conceção-construção em Portugal, ao permitir, com a alteração introduzida pelo artigo 2.º à norma ínsita ao n.º 3 do artigo 43.º do Código dos Contratos Públicos – e que tem uma vocação verdadeiramente expansiva, universal e (espera-se) definitiva -, o recurso discricionário às empreitadas de conceção-construção, em detrimento da tradicional opção pelas empreitadas de construção, como regra geral[8]. 

Além do exposto, o Decreto-Lei n.º 112/2025, de 23 de outubro  procedeu ainda, através do seu artigo 3.º à alteração da redação do artigo 3.º da Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, no que respeita aos procedimentos pré-contratuais que podem ser adotados em matéria de habitação, de tal modo que, para a celebração de quaisquer contratos que se destinem à promoção de habitação pública ou de custos controlados, as entidades adjudicantes poderão agora: 

a) Adotar o procedimento de consulta prévia simplificada, com convite a pelo menos cinco entidades, quando o valor do contrato for, simultaneamente, inferior aos limiares referidos nos n.ºs 2, 3 ou 4 do artigo 474.º do Código dos Contratos Públicos, consoante o caso, e inferior a € 1.000.000,e não apenas até € 750.000, como estava previsto, até agora, na alínea b) do artigo 2.º, aplicável ex vi artigo 3.º da Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, na sua redação anterior (cfr. alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 112/2025, de 23 de outubro);

b) Adotar o procedimento de ajuste direito, nos termos previstos nos artigos 112.º e 127.º do Código dos Contratos Públicos (cfr. n.º 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 112/2025, de 23 de outubro);

(i)  No caso da celebração de contratos de empreitada ou concessão de obras públicas, quando o valor do contrato seja igual ou inferior a € 60.000,00 (e não apenas quando seja inferior a € 30.000, como previsto na alínea d) do artigo 19.º CCP);

(ii)  No caso da celebração de contratos de locação, aquisição de bens móveis ou serviços, quando o valor do contrato seja igual ou inferior a € 30.000,00 (e não apenas quando seja inferior a € 20.000, como previsto na alínea d) do artigo 20.º CCP);

(iii) No caso da celebração de outros contratos, quando o valor do contrato seja igual ou inferior a € 65.000,00 (e não apenas quando seja inferior a € 50.000, como previsto na alínea c) do artigo 21.º CCP). 

Em suma, este Decreto-Lei n.º 112/2025, de 23 de outubro, e em particular, a décima quinta alteração que este introduz ao Código dos Contratos Públicos, apesar de não representar, ainda, a prometida e grande reforma do Estado anunciada pelo XXV Governo Constitucional, já introduz uma alteração significativa na contratação de empreitadas de obras públicas em Portugal, pondo fim à preferência legal pela empreitada de construção[9] e estabelecendo uma regra geral dual que admite o recurso discricionário pelas entidades adjudicantes quer à “figura” das empreitadas de construção, quer à “figura” das empreitadas conceção-construção[10].

Os efeitos práticos desta “reforma” legislativa, porém, permanecem incertos.  Ainda não é possível aferir se esta alteração se irá traduzir em ganhos efetivos para o setor da construção, seja em termos de eficiência, qualidade ou controlo de custos das empreitadas. 

A avaliação do impacto dependerá, portanto, do modo como as entidades públicas irão aplicar esta nova faculdade e da resposta que o mercado da construção civil conseguirá dar às exigências técnicas e operacionais que decorrem da utilização generalizada do modelo da conceção-construção. 

João Abreu Campos | jac@servulo.com



[1] Sendo frequente a utilização, em empreitadas internacionais, de inúmeros contract forms específicos para a conceção-construção (ou que preveem a componente do design atribuível ao empreiteiro), como são disso exemplos os Yellow, Silver e Gold Books da FIDIC, o Desing and Build Contract e o Major Project Construction Contract, ambos do Joint Contracts Tribunal (Reino Unido), o NEC 4 Engineering and Construction Contract (ECC) – Option C (Design and Build), o NEC 4 Design Build and Operate Contract, os DBIA (Design-Build Institute of America) Standard forms, o ICC Model Turnkey Contract for Major Projects, entre outros.

[2] A literatura da especialidade aponta que nas empreitadas de conceção-construção, o empreiteiro, ao assumir a responsabilidade pela conceção, pode contribuir para uma maior “buildability” do projeto, propondo soluções construtivas mais exequíveis e eficientes, o que poderá permitir uma redução dos custos da empreitada e uma diminuição dos prazos necessários para a execução dos trabalhos.

[3] Building Information Modelling.

[4] Cfr, por exemplo, Peter Hibberd, Is Single-point Design Responsibility under JCT 05 Illusory?, 2006, disponível em https://www.scl.org.uk/papers/single-point-design-responsibility-under-jct-05-illusorye Claire King, A Game of Risk: JCT Design and Build Contracts, 2017, disponível em https://www.fenwickelliott.com/research-insight/newsletters/insight/73

[5] Importa, contudo, sublinhar que o grau de transferência de risco pode variar consoante o contrato em causa e a gestão de risco aí estabelecida.

[6] Adicionalmente, os contratos de conceção-construção, especialmente os que seguem modelos internacionais como o Yellow Book do FIDIC, permitem uma alocação mais eficiente (ou, pelo menos, menos litigiosa) de riscos técnicos e operacionais, como os associados à existência de condições imprevistas do subsolo (o famoso “risco geológico”). O empreiteiro, ao assumir esses riscos, incorpora-os na estrutura de preço contratual, o que pode contribuir para uma maior previsibilidade financeira e contratual.

[7] Não se ignoram, evidentemente, as desvantagens e as críticas apontadas por vários à opção pelo recurso generalizado à empreitada de conceção-construção, que nesta sede não se apreciam. Cfr. por todos e a título de exemplo, Pedro Fernández Sánchez, A revisão de 2021 do Código dos Contratos Públicos, AAFDL Editora, 2021, pp. 175 a 177.

[8] Terá sido, por isso que, atento o regime geral de conceção-construção ora estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 112/2025, de 23 de outubro que o legislador decidiu revogar expressamente o regime especial de conceção-construção, previsto no artigo 2.º-A/2021, de 21 de maio, na sua redação atual (cfr. artigo 4.º do pelo Decreto-Lei n.º 112/2025, de 23 de outubro).

[9] Ou, melhor dito, pondo fim à regra geral de proibição do recurso à conceção-construção, que só era afastada nos casos, devidamente fundamentados, e especialmente previstos no anterior n.º 3 do artigo 43.º do Código dos Contratos Públicos, e no artigo 2.º-A da Lei n.º 30/2021, de 21 de maio, na redação impressa pelo Decreto-Lei n.º 78/2022, de 7 de novembro.

[10] Recuperando, com uma abrangência ainda maior, a solução que vigorava no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de março (RJEOP), que atribuía à entidade adjudicante a prerrogativa de livre escolha entre a elaboração direta do projeto da obra ou a adoção de uma conceção-construção.

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