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Revisão do Regime Europeu de Titularização

SÉRVULO PUBLICATIONS 18 Jul 2025

No passado dia 17 de junho, a Comissão Europeia apresentou um conjunto de propostas de alteração do Regulamento (UE) 2017/2402 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2017 (“Regulamento da Titularização”), que estabelece um quadro geral para a titularização e cria um quadro específico para uma titularização simples, transparente e normalizada, e do Regulamento (UE) 575/2013, de 26 de junho de 2013 (“ CRR”),relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento.

Entre os objetivos principais das propostas da Comissão, é possível destacar os seguintes: (i) reduzir os custos operacionais para os emitentes e investidores, equilibrando-os com normas adequadas de transparência, proteção dos investidores e supervisão; e (ii) eliminar barreiras prudenciais indevidas, de forma que os bancos emitam mais titularizações e que as seguradoras invistam no mercado de titularização da UE. Para tal, as propostas examinam determinadas disposições em matéria de diligência devida, transparência e supervisão, bem como ponderações mínimas de risco e requisitos de capital dos bancos.

As propostas da Comissão resultam de, de um lado, uma vontade política no sentido da revisão do tratamento prudencial da titularização, criticado por ser excessivamente restritivo. Pretende-se superar os elevados custos operacionais e os requisitos de capital excessivamente conservadores impostos pelo Regulamento da Titularização e tornar o quadro normativo da titularização da UE menos oneroso e mais baseado em princípios.

No núcleo das alterações propostas estão as reduções nas ponderações mínimas de risco, no que se refere ao capital que os bancos devem manter contra potenciais perdas, quanto a certas categorias de ativos titularizados, particularmente no que toca a ativos que atendem aos critérios "simples, transparentes e padronizados" (STS) da UE.  Atualmente, o Regulamento da Titularização sujeita as titularizações STS a uma ponderação de risco mínima de 10% (independentemente do risco real dos ativos subjacentes), sendo que a Comissão propõe reduzir esse valor para 5%. Quanto às demais titularizações (operações não STS), atualmente sujeitas a uma ponderação de risco mínima de 15%, a percentagem reduziria para 10 a 12%. Deste modo, evitam-se custos de capital desnecessários para as transações de baixo risco, permitindo às instituições de crédito liberar capital para novos empréstimos.

Uma das inovações mais relevantes da reforma respeita à introdução de uma nova categoria designada “posições de titularização resilientes” (art. 243.º do CRR), que abrange tranches seniores que cumprem critérios estruturais reforçados e que, por esse motivo, beneficiarão de requisitos de capital ainda mais reduzidos.

Adicionalmente, no que toca aos riscos de capital, as propostas visam tornar os complementos de capital menos conservadores. Diversos participantes no mercado sustentam há muito que a fórmula atualmente em vigor inflaciona injustificadamente os requisitos de capital para determinadas classes de ativos titularizados. A reforma propõe uma redução do fator p (múltiplo aplicado ao cálculo dos requisitos de capital para as titularizações) quanto às posições seniores em securitizações STS, reduzindo-o de 0,5 para 0,3. Nas demais titularizações, a redução será de 1,0 para 0,6. Prevê-se que a reforma do fator p constitua um dos aspetos politicamente mais sensíveis da proposta, podendo ser objeto de um amplo debate ao longo das negociações no Conselho e no Parlamento Europeu.

De outro lado, no âmbito da transparência e diligência exigidas nas operações de titularização, o pacote de medidas propõe alterações aos requisitos de due diligence (art. 5.º do Regulamento da Titularização) e aos deveres de transparência (art. 7º).

Passa a prever-se uma due diligence simplificada, na medida em que os requisitos de verificação duplicada para investidores deixam de se aplicar quando intervêm vendedores sediados na União, por se reconhecer que já se encontram sujeitos à supervisão regulatória da UE. Ademais, os deveres de diligência são dispensados quando a posição de titular de instrumentos de titularização esteja integralmente garantida por bancos multilaterais de desenvolvimento. Por fim, passa a aplicar-se um regime de due diligence atenuado (nomeadamente, com dispensa dos requisitos de verificação e documentação) nos casos em que uma tranche de primeira perda, correspondente a, pelo menos, 15% do valor nominal da titularização, seja garantida por determinadas entidades públicas.

Por seu turno, a proposta deixa de prever a necessidade de serem disponibilizados ao patrocinador e às autoridades competentes dados a nível dos empréstimos quando as exposições subjacentes sejam altamente granulares e de curto prazo. Adicionalmente, é acolhida uma distinção entre “titularizações públicas” e “titularizações privadas”, consoante sejam realizadas através de oferta pública ou particular. A distinção é relevante, pois as titularizações públicas não deixarão de enfrentar requisitos de transparência e relato mais extensos, enquanto as titularizações privadas beneficiariam de modelos simplificados e acesso a dados restringido, para proteção da confidencialidade. Ademais, serão revistos os textos de implementação que descrevem os modelos de relatório para titularizações, de forma a aliviar os deveres de reporte dos emitentes. A Comissão traçou o objetivo de reduzir o número de campos obrigatórios em pelo menos 35% e passar a distinguir entre campos obrigatórios e voluntários.

Com vista a facilitar o acesso ao financiamento por parte das PMEs e atrair mais investidores não bancários, as propostas passam a permitir que pools mistos, com uma componente significativa de empréstimos a PMEs (pelo menos, 70%), possam beneficiar da estrutura do STS (sendo considerados homogéneos), tal como acontece atualmente com os pools compostos exclusivamente por empréstimos a PME.

Por fim, as propostas pretendem reduzir a fragmentação regulatória, sugerindo que a EBA passe a assumir um papel de liderança permanente no Comité de Securitização.

Em suma, as propostas da Comissão procuram dar cumprimento ao desenvolvimento das operações de titularização como um dos desígnios da União Europeia de Poupanças e de Investimentos ao propor uma estrutura regulatória mais proporcional, através de um ambiente prudencial e transacional mais simplificado e uma supervisão harmonizada.

Paulo Câmara | pc@servulo.com

Madalena Alegre Martins

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