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As cláusulas de "no consequential damages" - problema e desafios

SÉRVULO PUBLICATIONS 17 Mar 2017

 «In no event shall the Seller be liable for any loss of revenues or profits, loss of opportunity, loss of use, contract or production, delays, recall costs, or otherwise for any consequential, financial or economic damage».

As cláusulas de no consequential damages constituem uma prática frequente nos contratos internacionais.

Procura-se, por esta via, proteger o alienante de bens ou serviços das pretensões indemnizatórias reclamadas pelo adquirente com fundamento na alegação do que se podem considerar «danos reflexos», isto é, prejuízos que surgem como consequência indireta do incumprimento contratual por uma das partes.

Este tipo de cláusulas tem implicações no âmbito da obrigação de indemnizar: por esta via, delimitam-se os danos não indemnizáveis. Por conseguinte, e dependendo da extensão da cláusula, pode ficar prejudicado o ressarcimento de danos patrimoniais de diversa natureza (v.g., danos emergentes, lucros cessantes, perda de oportunidades de negócios) que têm origem numa conduta ilícita do devedor, compreendida no perímetro contratual.

Em concreto, já se entendeu qualificar como consequential damages, v.g., os danos ocasionados pela não verificação de índices de performance de equipamentos fornecidos; os prejuízos resultantes da suspensão do funcionamento de uma unidade produtiva ou mesmo do seu encerramento compulsivo determinados pelo vício de um ou mais equipamentos fornecidos ao abrigo desse contrato; as indemnizações pagas a terceiros pelo contraente fiel por incumprimento de contratos concluídos no contexto de “operações contratuais complexas”, no âmbito das quais se compreende o contrato celebrado com o devedor inadimplente, e que não se pôde honrar em razão de um comportamento deste (por hipótese, por efeitos da mora na realização das prestações e de vício da prestação realizada). Esta ilustração suporta o diagnóstico no sentido da multiplicidade de situações relevadas ao abrigo destas cláusulas.

No Direito português, é controversa a admissibilidade de cláusulas de no consequential damages.

Em primeiro lugar, não está difundida – na lei, na doutrina e na jurisprudência – uma noção de consequential damages. Trata-se, pois, de uma figura sem equivalente funcional no Direito nacional. A respetiva previsão em contratos, no exercício da autonomia negocial, tem sempre de operar “dentro dos limites da lei” (cf. artigo 405.º, n.º 1 do Código Civil – C.C.).

Em segundo lugar, a validade deste tipo de cláusulas parece poder ser posta em causa à luz do artigo 809.º do C.C., que sanciona com a nulidade “a cláusula pela qual o credor renuncia antecipadamente a qualquer dos direitos que lhe são facultados nas divisões anteriores nos casos de não cumprimento ou mora do devedor, salvo o disposto no n.º 2 do artigo 800.º”. Um dos direitos reconhecidos ao credor, por efeitos do incumprimento ou da mora do devedor, é o direito à indemnização. Naturalmente, a efetividade da obrigação de indemnizar requer que se demonstre, a par de outros pressupostos, o nexo de causalidade. É, contudo, controversa a licitude de uma cláusula que, em termos antecipados, vede ao credor a suscetibilidade de exercer uma pretensão indemnizatória dirigida ao ressarcimento de danos que têm origem em atos que configuram um verdadeiro inadimplemento contratual.

O problema é potenciado na hipótese de as referidas cláusulas de no consequential damages interferirem no âmbito da responsabilidade por atos próprios do devedor, que traduzam uma violação do vínculo obrigacional. A legitimidade da exclusão do ressarcimento desses danos resultaria, então, de uma renúncia antecipada e consentida pelo credor (no pressuposto de esta ser autorizada nos termos gerais de Direito).

A compreensão cabal da norma citada exige, por outro lado, que se recorde o conteúdo da prescrição contida no artigo 800.º, n.º 2 do C.C., que releva no contexto da responsabilidade do devedor por atos dos seus representantes legais ou auxiliares, enos termos da qual, “[a] responsabilidade pode ser convencionalmente excluída ou limitada mediante acordo prévio dos interessados, desde que a exclusão ou limitação não compreenda actos que representem a violação de deveres impostos por normas de ordem pública”. O legislador condiciona, assim, a admissibilidade de cláusulas de exclusão ou de limitação da responsabilidade do devedor por atos dos seus representantes ou auxiliares, ao respeito por normas de ordem pública – conceito e qualificação a precisar no caso concreto, em função dos preceitos legais convocados.

Em terceiro lugar, os contratos que excluem os consequential damages não contêm, em regra, qualquer definição clara do conceito, mas apenas uma ilustração, com caráter exemplificativo, acompanhada de expressões vagas e, muitas das vezes, imprecisas. Por este motivo, em caso de litígio entre as partes, o apuramento da obrigação de indemnizar requer, antes de mais, que se clarifique o âmbito da responsabilidade civil por incumprimento contratual, o que reclama, por sua vez, que se interprete e se esclareça o sentido das estipulações convencionadas de no consequential damages.

Em quarto lugar, estas cláusulas são, frequentemente, um indício de negociações tendencialmente desequilibradas: têm por base minutas-tipo e modelos contratuais padronizados que não admitem uma relevante margem de negociação quanto ao respetivo conteúdo. Em consequência, é controverso que se possa admitir a existência de “acordo” quanto ao universo de danos não indemnizáveis com este fundamento, Com efeito, o “acordo” exige o concurso da vontade livremente manifestada pelo futuro titular do direito de crédito ancorado no incumprimento do contrato.

Por último, mesmo que a exclusão de direitos estipulada antecipadamente possa ser subsumida no enunciado gramatical do citado artigo 800.º, n.º 2 (na medida em que a exclusão ou a limitação da obrigação de indemnizar por ato praticado por representante legal ou auxiliar do devedor tenha sido objetode “acordo prévio dos interessados”), sempre haverá de demonstrar, caso a caso, a inexistência de desrespeito por “deveres impostos por normas de ordem pública”, insuscetíveis, como tal, de afastamento por autorregulamentação das partes.E essa tarefa, para além de difícil, exige, mais uma vez, uma importante – e sempre complexa – atividade dirigida a esclarecer a natureza (imperativa ou dispositiva) das situações jurídicas previstas nos regimes legais vigentes.

Em conclusão, o juízo quanto à validade de uma cláusula de no consequential damages não pode ser feito em abstrato; antes tem de assentar numa análise casuística, que releve a natureza das normas que titulam as situações jurídicas cuja proteção se pretende neutralizar.

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