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A Lei n.º 4-B/2021 e o regresso da suspensão dos prazos no direito processual civil

SÉRVULO PUBLICATIONS 19 Feb 2021

Foi publicada a Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, que procede à nona alteração da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março e que, entre outros aspetos, estabelece um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adotadas no âmbito da pandemia da doença Covid-19.

Cerca de um ano após a publicação da Lei n.º 1-A/2020, o legislador foi compelido - por força do agravamento evidente do atual contexto pandémico - a repristinar as medidas extraordinárias e temporárias anteriormente aplicadas ao nível da suspensão dos prazos processuais e procedimentais e da realização de diligências, estabelecendo um regime muito semelhante ao introduzido pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, pese embora se detetem algumas diferenças importantes entre estes dois regimes.

Assim: 

(i) Relativamente aos processos não urgentes, prevê-se novamente a suspensão de todas as diligências e de todos os prazos para a prática de atos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que funcionem junto deste, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal (cfr. artigo 6.º-B, n.º 1). 

(ii) No entanto, esta suspensão não obsta à tramitação dos processos não urgentes, à prática de atos e à realização de diligências não urgentes quando todas as partes o aceitem e declarem expressamente ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente (alíneas b) e c)) do n.º 5 do artigo 6.º-B). 

Ou seja, mesmo nos processos não urgentes, desde que todas as partes estejam de acordo e o declarem nos autos, os prazos podem voltar a correr, os atos podem ser praticados e as diligências podem ter lugar através de meios de comunicação à distância. 

(iii) Caso as partes aceitem e declarem expressamente ter condições para assegurar a realização de diligências através de meios de comunicação à distância, devem ter em conta que, de acordo com o disposto no n.º 9 do artigo 6.º-B, o depoimento das testemunhas e/ou de parte serão realizados a partir de um tribunal ou de instalações de um edifício público,  desde que a diligência não implique a presença de um número de pessoas superior ao previsto pelas orientações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixadas pelos conselhos superiores competentes. 

(iv) A suspensão dos prazos e diligências nos processos não urgentes não obsta ainda, por um lado, à tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes, sem prejuízo da realização de atos presenciais depender do acordo e declaração expressa de todas as partes no sentido de terem condições para assegurar a sua realização através de meios de comunicação à distância; e, por outro, a que seja proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais entidades (tais como, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal) entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou apresentação de requerimento da retificação ou reforma da decisão.

Esta é, sem dúvida, a diferença mais importante entre o regime de suspensão dos prazos que vigorou no primeiro semestre de 2020 e o regime introduzido pela Lei n.º 4-B/2021. Note-se que no que respeita ao processo civil em especial, proferida sentença (na vigência desta Lei) em processos não urgentes pelos tribunais de 1.ª instância, os prazos para a prática dos atos subsequentes não se suspendem, pelo que os recursos devem ser interpostos nos prazos legalmente fixados (de 15 ou 30 dias consoante os casos) e a arguição de nulidades, os requerimentos de retificação de erros materiais e a reforma da sentença devem ser apresentados no prazo supletivo legal de 10 dias. Pese embora o legislador não o refira expressamente, motivos de prudência recomendam que se pratiquem os demais atos processuais subsequentes, como por exemplo a reclamação de despacho de não admissão do recurso de decisão final.

(v) Por sua vez e conforme decorre do disposto no n.º 7 do art. 6.º-B, os processos urgentes continuam a ser tramitados, sem suspensão ou interrupção de prazos, atos ou diligências. No que diz respeito à realização de diligências que requeiram a presença física das partes, dos mandatários ou de outros intervenientes processuais, o referido normativo prevê a sua realização, em primeira linha, através de meios de comunicação à distância (v.g. teleconferência, videochamada) ou, caso tal não seja possível ou cause prejuízo aos fins da realização da justiça, presencialmente, com respeito pelas recomendações das autoridades de saúde e de acordo com as orientações fixada pelos conselhos superiores competentes.

Ainda a respeito dos processos urgentes, o legislador introduziu uma inovação que deve ser assinalada. Além dos processos considerados urgentes por lei – os únicos que assim são qualificados no Direito Processual português –, o n.º 7 do artigo 6.º-B prevê agora a existência de “processos, atos e diligências considerados urgentes por decisão da autoridade judicial”. O legislador não definiu o que se deve entender por “autoridade judicial”. Parece dever considerar-se que, por exemplo, o magistrado judicial é uma “autoridade judicial”, que poderá agora decidir atribuir o caráter de urgência a processos, atos e diligências que, por lei, não são considerados como tal, e assim submetê-los ao regime da tramitação dos processos urgentes, devendo igualmente entender-se que tal decisão apenas poderá produzir efeitos para o futuro. Contudo, o normativo em apreço não explica quais os critérios que deverão nortear esta decisão, não sendo possível antecipar, com o mínimo de segurança e certeza jurídicas, nem discernir quais os processos, atos e diligências não urgentes nos termos da lei que poderão ser considerados como urgentes pela autoridade judicial. Trata-se de uma lacuna de relevo, que introduz um indesejável fator de incerteza quanto à tramitação dos processos durante a vigência da Lei n.º 4-B/2021.

(vi) Estas normas devem ser conjugadas com o n.º 8, aplicável a todos os processos, que mantém o regime mais protetor das partes, mandatários e outros intervenientes processuais maiores de 70 anos, imunodeprimidos ou portadores de doença crónica que, de acordo com as orientações da autoridade de saúde, devam ser considerados de risco: sobre estes não recai a obrigatoriedade de se deslocarem a tribunal. Em caso de efetivação do direito de não deslocação, a respetiva inquirição ou acompanhamento da diligência deverá realizar-se através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente, a partir do seu domicílio legal ou profissional.

(vii) O legislador volta também a prever a suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos cujos prazos e diligências estão suspensos (mencionados no n.º 1 do artigo 6.º-B), sendo que este regime prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, aos quais acresce o período de tempo em que vigorar a suspensão. 

(viii) Relativamente às ações executivas, o artigo 6.º-B, n.º 6, alínea b), prevê que ficam suspensos quaisquer atos a realizar em sede de processo executivo, com exceção (i) dos pagamentos que devam ser feitos ao exequente através do produto da venda dos bens penhorados e (ii) dos atos que causem prejuízo grave à subsistência do exequente ou cuja não realização lhe provoque prejuízo irreparável, prejuízo esse que depende de prévia decisão judicial. Aqui cumpre salientar a inclusão de uma nova exceção à suspensão dos processos executivos, que não estava prevista no regime que vigorou entre março e junho de 2020: caso os bens penhorados já tenham sido vendidos e sejam devidos pagamentos ao exequente através do produto da venda dos mesmos, tais pagamentos devem ser (ou continuar a ser) efetuados. 

(ix) Ademais, e a exemplo do que se havia verificado em Abril de 2020, o legislador determinou, na alínea a) do número 6 do artigo 6.º-B, a suspensão do prazo de apresentação do devedor à insolvência, previsto no n.º 1 do artigo 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Deste modo, não recai sobre as entidades que estejam insolventes o dever de se apresentarem à insolvência, consagrado no referido artigo do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Note-se que, embora não estejam obrigadas a fazê-lo, as entidades que estejam insolventes podem, caso assim o entendam, apresentar-se à insolvência. É importante salientar ainda que a suspensão do dever de apresentação à insolvência não é aplicável às entidades que, no dia 22 de janeiro de 2021 (data da produção de efeitos da Lei em análise), já estivessem insolventes há mais de 30 dias.

(x) Por fim, por força do número 11 do artigo 6.º-B, são igualmente suspensos os atos a realizar em processo executivo ou de insolvência relacionados com a entrega judicial da casa de morada de família ou entrega do locado, quando, por requerimento do arrendatário ou do ex-arrendatário e ouvida a contraparte, venha a ser proferida decisão que confirme que tais atos o colocam em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa. 

Conforme decorre do artigo 4.º da Lei n.º 4-B/2021, as alterações acima referidas produzem efeitos a 22 de janeiro de 2021, sem prejuízo das diligências judiciais e atos processuais entretanto realizados e praticados. Diversamente dos diplomas anteriores, o legislador não estabeleceu qual o momento ou ato que determinará a cessação do regime excecional e temporário da suspensão de prazos. Na ausência de tal estatuição, dever-se-á aguardar pela aprovação do respetivo diploma legal que revogue os preceitos acima referidos.

Nuno Temudo Vieira | ntv@servulo.com

Madalena Robalo Cordeiro | mcc@servulo.com

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