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Acórdão N.º 299/2020, de 16 de Junho do Tribunal Constitucional

SÉRVULO PUBLICATIONS 15 Jul 2020

No passado dia 16 de junho de 2020, o Tribunal Constitucional declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil, na redação dada pela Lei n.º 64/2018, de 29 de outubro, na sequência de um pedido de fiscalização sucessiva feito por um grupo de deputados à Assembleia da República, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 e na alínea f) do n.º 2 do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa. 

A referida norma, com propósito de garantir “o exercício efetivo do direito de preferência pelos arrendatários na alienação do locado”, criou um regime especial de preferência no contrato de arrendamento para fins habitacionais, relativo a parte de prédio não constituído em propriedade horizontal. O objetivo principal foi proteger o arrendatário habitacional de unidade física individualizada, mas não constituída em propriedade horizontal, contra inconvenientes resultantes da alienação da totalidade do prédio, fazendo desse modo incidir o direito de preferência sobre objeto que não coincide com os limites físicos do local arrendado. 

Estabelece-se, assim, que no caso de contrato de arrendamento para fins habitacionais, relativo a parte de prédio não constituído em propriedade horizontal, o arrendatário tem direito de preferência em termos idênticos ao do arrendatário de fração autónoma, com as seguintes condições: (i) o direito é relativo à quota-parte do prédio correspondente à permilagem do locado pelo valor proporcional dessa quota-parte face ao valor total da transmissão; (ii) a aquisição pelo preferente é efetuada com afetação do uso exclusivo da quota-parte do prédio a que corresponde o locado. No acórdão em análise, o Tribunal Constitucional considerou que a opção pela aquisição da quota-parte do prédio, correspondente ao locado, prevista no n.º 8 do artigo 1091.º do Código Civil, não salvaguarda o equilíbrio de interesses entre proprietário e arrendatário, na medida em que o sacrifício que é imposto ao proprietário vai muito além da normal limitação da liberdade de escolha do contraente, subjacente a uma situação de exercício de um direito de preferência. 

De acordo com o Tribunal Constitucional, as limitações aí previstas não se reduzem à faculdade de escolher livremente a pessoa com quem poderá ser realizado o negócio. “O reconhecimento do direito de preferência ao arrendatário de parte de prédio não constituído em propriedade horizontal tem outras implicações na esfera jurídica do senhorio: (i) fica impedido de transmitir a terceiros a totalidade do prédio; (ii) com a declaração de preferência, fica obrigado a transmitir ao arrendatário a quota-parte ideal do prédio correspondente à permilagem do locado; (iii) não pode estipular livremente o preço do local arrendado; (iv) vê extinto o contrato de arrendamento; (v) com a subsequente afetação ao preferente do “uso exclusivo” da parte do prédio correspondente ao local arrendado”. Por outro lado, entendeu o Tribunal Constitucional que a norma questionada impõe limites à liberdade do proprietário estipular as condições em que pretende alienar o prédio parcialmente arrendado, porquanto não pode escolher a medida da quota, nem o respetivo valor. 

Já o arrendatário torna-se comproprietário, sem ter a certeza sobre a possibilidade da coisa comum se dividir em substância e sem ter quaisquer garantias de que o local arrendado lhe venha a ser adjudicado na ação de divisão de coisa comum. Por fim, na relação de compropriedade, os consortes encontram-se privados da utilização direta ou aproveitamento “imediato” de parte da coisa comum. 

Assim, o Tribunal Constitucional considerou que os entraves supra mencionados, colocados ao proprietário-senhorio e aos demais comproprietários, no interesse do arrendatário, são excessivos, desrazoáveis e gravosos, sem evidência de que a preferência ora prevista permita alcançar os objetivos traçados. De facto, nos moldes em que o direito de preferência foi configurado, o exercício desse direito não permite o acesso imediato à propriedade plena do local arrendado, nem a situação de compropriedade garante estabilidade na habitação. Pelo que, de acordo com o mesmo Tribunal as limitações ou restrições ao direito de propriedade que decorrem do direito de preferência previsto no n.º 8 do artigo 1091.º, do Código Civil não se revelam meio idóneo, exigível e proporcional para alcançar as finalidades constitucionalmente legítimas de promoção da estabilidade na habitação e impedimento da especulação imobiliária (artigo 65.º da CRP). 

Concluiu, assim, o Tribunal Constitucional que o regime especial de preferência consagrado no artigo 1091.º, n.º 8 do Código Civil, sacrifica excessivamente o direito de propriedade privada constitucionalmente garantido sem que seja à livre transmissibilidade do prédio, sem satisfazer o objetivo da estabilidade habitacional, declarando, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma, por violação da garantia da propriedade privada, ínsita no artigo 62.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, em conjugação com o princípio da proporcionalidade, previsto no artigo 18.º, n.º 2 do mesmo diploma. 

 

Filipa Névoa | fne@servulo.com

Pedro João Domingos | pjd@servulo.com