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Da “emergência” à “calamidade” - Guia para empresas e trabalhadores

SÉRVULO PUBLICATIONS 18 May 2020

No passado dia 2 de maio, terminou o estado de emergência iniciado em 22 de março. Ao fim de 42 dias, Portugal transitou para estado de calamidade pública, declarado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 33-A/2020, de 30 de abril (disponível através de hiperligação), renovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 38/2020 publicada ontem (igualmente em hiperligação), iniciando-se um período de gradual desconfinamento. 

Várias empresas vêem-se agora perante o desafio de retomar progressivamente a sua atividade num contexto absolutamente atípico. Outras continuam a ter de se reinventar, enfrentando situações de grave crise, que conduziram a que mais de 1 milhão de trabalhadores fosse abrangido pelo controverso “lay-off simplificado”. 

Com este enquadramento, pretendemos identificar as principais questões laborais, diretamente decorrentes da declaração de estado de calamidade pública.                                          

A informação abaixo disponibilizada não atende às especificidades que podem decorrer do previsto em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho e não dispensa aconselhamento jurídico orientado à realidade e dimensão de cada organização.

1. As empresas ou estabelecimentos cujo encerramento foi determinado na sequência da declaração de estado de emergência ou por imposição legislativa ou administrativa, podem retomar atividade?

Conforme a estratégia gradual de levantamento das medidas de confinamento no âmbito do combate à pandemia COVID-19, constante do anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 33-C/2020, de 30 de abril (disponível através de hiperligação), a atividade económica irá ser gradualmente retomada, em três fases distintas:

a) Desde 4 de maio:

  • Comércio local (lojas com porta aberta para a rua até 200 m2);
  • Cabeleireiros, manicures e similares;
  • Livrarias e comércio automóvel, independentemente da sua área;
  • Bibliotecas e arquivos.

b) A partir de hoje, 18 de maio:

  • Lojas com porta aberta para a rua até 400 m2 ou partes de lojas até 400 m2 (ou de maior dimensão, por decisão da autarquia);
  • Restaurantes, cafés e pastelarias/esplanadas;
  • Museus, monumentos e palácios, galerias de arte e similares;
  • Estabelecimentos de ensino, relativamente a alunos do 11.º e 12.º anos, ou 2.º e 3.º anos de ofertas formativas;
  • Equipamentos sociais na área da deficiência;
  • Creches (com opção de apoio à família).

c) A partir de 1 de junho:

  • Lojas com área superior a 400 m2 ou inseridas em centros comerciais;
  • Creches, estabelecimentos de ensino pré-escolar e ATL;
  • Cinemas, teatros, auditórios e salas de espetáculos;
  • Clubes de futebol, para as competições oficiais da 1.ª Liga de futebol e Taça de Portugal.

 2. Os trabalhadores com filhos ou outros dependentes a cargo menores de 12 anos continuam a beneficiar do apoio excecional à família?

O apoio excecional à família previsto no artigo 23.º, do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março (com hiperligação), bem como o regime especial de justificação de faltas acolhido no artigo 22.º do referido diploma legal, é aplicável a trabalhadores que se vejam impossibilitados de prestar a sua atividade em razão de assistência inadiável a filho ou outro dependente a cargo menor de 12 anos, ou, independentemente da idade, com deficiência ou doença crónica, decorrente de suspensão das atividades letivas e não letivas presenciais em estabelecimento escolar ou equipamento social de apoio à primeira infância ou deficiência

No caso de trabalhadores com filhos ou outros dependentes que estejam em idade de creche (i.e., até aos 3 anos de idade), o Decreto-Lei n.º 22/2020, de 16 de maio (com hiperligação) aditou o artigo 25.º-D ao Decreto-Lei n.º 10/2020, de 13 de março, estabelecendo que,independentemente de as creches retomarem a sua atividade a 18 de maio, existirá um período de transição, desde essa data e até ao dia 31 de maio, em que as creches estarão abertas, mas em que os trabalhadores poderão optar por ficar com os filhos ou outros dependentes em casa, beneficiando do apoio previsto no Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março. A partir do de 1 de junho (data de abertura dos estabelecimentos de ensino pré-escolar), os trabalhadores com filhos ou outros dependentes em idade de creche ou pré-escolar (até aos 6 anos) não poderão mais beneficiar do referido apoio. 

Por outro lado, os trabalhadores com filhos ou dependentes menores de 12 anos e com idade superior a 6 anos, beneficiarão do apoio excecional à família previsto no Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, até ao dia 26 de junho (data em que termina o ano letivo de 2019/2020).

3. As empresas devem manter o regime de teletrabalho adotado aquando da declaração do estado de emergência?

É mantida obrigatoriedade de teletrabalho sempre que a atividade profissional assim o permita (artigo 4.º da Resolução do Conselho de Ministros n.º 33-A/2020, de 30 de abril).

De acordo com o levantamento gradual das medidas de confinamento, a partir de 1 de junho, as empresas poderão adotar o teletrabalho parcial, definindo horários desfasados ou adotando o sistema de equipas em espelho (i.e., por cada trabalhador que presta a sua atividade no local de trabalho, outro estará em teletrabalho, em alternância).

Ressalva-se ainda que, de acordo com o disposto no artigo 25.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de maio e retificado pela Declaração de Retificação n.º 18-C/2020, de 5 de maio (ambos disponíveis através de hiperligação), os trabalhadores imunodeprimidos e/ou portadores de doença crónica, que devam ser considerados de risco de acordo com as orientações das autoridades de saúde e que não sejam trabalhadores de serviços essenciais, podem justificar as respetivas faltas mediante declaração médica, desde que não possam desempenhar a sua atividade em regime de teletrabalho.

4. Atento o atual contexto epidemiológico, há alguma particularidade em matéria de trabalho suplementar?

O Decreto-Lei n.º 12-A/2020, de 6 de abril (disponível através de hiperligação) alterou o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, alargando a suspensão dos limites de trabalho suplementar previstos no artigo 228.º do Código do Trabalho às instituições particulares de solidariedade social, associações sem fins lucrativos, cooperativas e demais entidades da economia social que exerçam atividades essenciais da área social e da saúde, nomeadamente, serviços de saúde, estruturas residenciais ou de acolhimento ou serviços de apoio domiciliário para populações vulneráveis, pessoas idosas e pessoas com deficiência.

5. Que medidas deve o empregador adotar na retoma à sua atividade, em matéria de higiene e segurança no trabalho?

Os empregadores têm um dever geral de garantir aos trabalhadores condições de segurança e saúde no trabalho. 

Em linha com esta obrigação, o Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de maio, retificado pela Declaração n.º 18-C/2020, de 5 de maio, aditou ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, o artigo 34.º-B, nos termos do qual as empresas devem elaborar um plano de contingência adequado ao local de trabalho, em conformidade com as Orientações da Direção-Geral da Saúde e com as Orientações da Autoridade para as Condições de Trabalho (disponíveis através de hiperligação). 

No caso de estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços, nos serviços e edifícios de atendimento ao público e nos estabelecimentos de ensino e creches é obrigatório o uso de máscaras e/ou viseiras, nos termos do disposto no artigo 13.º-B do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março (na sua versão atual), devendo o empregador assegurar que os trabalhadores utilizam estes equipamentos. 

Devem ser ainda tidas em conta outras regras definidas em códigos de conduta aprovados para determinados setores de atividade, como por exemplo para o setor automóvel e para a área da restauração e bebidas (com hiperligação).

6. A entidade empregadora pode proceder à recolha e registo da temperatura corporal dos trabalhadores?

Em 23 de abril, a Comissão Nacional de Proteção de Dados (“CPND”) emitiu uma Orientação (disponível por hiperligação), divulgando o entendimento de que os empregadores não poderiam proceder à recolha e registo da temperatura corporal dos trabalhadores ou de outra informação relativa à saúde ou a eventuais comportamentos de risco dos trabalhadores. 

O entendimento expresso pela CNPD convocava o disposto no artigo 19.º do Código do Trabalho, nos termos do qual o empregador está impedido de exigir aos trabalhadores a realização ou apresentação de testes ou exames médicos, salvo quando tenham por finalidade a proteção e segurança do trabalhador ou de terceiros. Nestas circunstâncias, tais medições teriam, porém, de ser obrigatoriamente realizadas por médico do trabalho. 

Em resposta à referida Orientação, o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social veio esclarecer, no dia 25 de abril, que, atento o atual contexto pandémico, não considerava inviável que os empregadores procedessem à medição da temperatura dos trabalhadores, desde que a informação assim obtida não fosse registada. 

Aquando desta comunicação, o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social adiantou que seguir-se-ia a aprovação de legislação sobre o tema, o que veio a suceder por via do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de maio, que aditou ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, o artigo 13.º-C. Este preceito autoriza, agora, expressamente medições da temperatura corporal dos trabalhadores para efeitos de acesso ao local de trabalho, por motivo de proteção da saúde dos trabalhadores e de terceiros. O empregador está, no entanto, impedido de proceder ao registo da temperatura associada à identidade do trabalhador, salvo com expressa autorização deste. É ainda previsto que caso a temperatura seja superior à normal, o empregador poderá impedir o acesso daquele às instalações da empresa. 

O artigo 13.º-C do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março (na sua versão atual) não esclarece, porém, o que sucede à retribuição que seria devida ao trabalhador impedido de aceder ao local de trabalho. 

Até à inclusão deste preceito, era inquestionável que o empregador que recusasse ao trabalhador o acesso ao local de trabalho, por mero receio de contágio, assumiria o risco da perda do trabalho a executar pelo trabalhador. No atual contexto legal, estando os empregadores legitimados a interditar o acesso ao local de trabalho sempre que o trabalhador apresente temperatura corporal superior à normal (apenas um dos sintomas associados à COVID-19), é questionável que idêntica solução tenha aplicação, havendo diversos cenários a considerar.

7. As empresas podem aceder a algum apoio no que respeita a despesas associadas à adoção de medidas em matéria de saúde e segurança em contexto COVID-19?

Quinta-feira passada, foi publicado o Decreto-Lei n.º 20-G/2020, de 14 de maio (disponível através de hiperligação), que criou o Programa ADAPTAR: as empresas cuja candidatura seja aceite, beneficiarão de um apoio financeiro destinado a cobrir despesas com a adoção de medidas em matéria de saúde e segurança. Os termos concretos de acesso a este Programa, bem como os montantes dos subsídios a atribuir, variam consoante se trate de uma microempresa ou de uma pequena e média empresa.

8. As empresas ou estabelecimentos cujo encerramento foi determinado na sequência da declaração do estado de emergência, ou por imposição legislativa ou administrativa, e que recorreram ao “lay-off simplificado” com base nesse fundamento, podem continuar a beneficiar desse regime se a respetiva atividade for retomada?

O Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de maio, retificado pela Declaração n.º 18-C/2020, de 5 de maio, aditou ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março o artigo 25.º-C, esclarecendo que as empresas ou estabelecimentos cujas atividades tenham sido objeto de levantamento de restrição de encerramento após o termo do estado de emergência, continuam, a partir desse momento, a poder aceder ao lay-off regulado no Decreto-Lei n.º 10-G/2020, de 26 de março, na sua redação atual, desde que retomem a atividade no prazo de oito dias. 

Importa notar que a retoma da atividade da empresa não pressupõe que todos os trabalhadores abrangidos pelo lay-off sejam retirados deste regime. Com efeito, a empresa pode optar por: (i) manter todos os trabalhadores em lay-off em regime de redução do período normal de trabalho; (ii) manter todos os trabalhadores em lay-off, estando alguns trabalhadores sujeitos a redução do período normal de trabalho e outros em situação de suspensão do contrato de trabalho; (iii) retirar alguns trabalhadores do lay-off e manter os restantes (seja na modalidade de redução do período normal de trabalho ou em suspensão do contrato de trabalho). Importa, todavia, que os trabalhadores em suspensão não estejam a trabalhar e que os que têm tempo de trabalho reduzido não trabalhem mais do que as horas (reduzidas) acordadas e comunicadas à Segurança Social.

Todas as alterações devem ser comunicadas à Segurança Social, através da apresentação de um novo ficheiro Excel.

 9. Os empregadores podem incluir e/ou excluir trabalhadores no regime de lay-off aplicável à empresa?

O artigo 4.º, n.º 2, da Portaria n.º 94-A/2020, de 16 de abril (disponível através de hiperligação), admite expressamente a possibilidade de a empresa incluir novos trabalhadores no regime de lay-off, devendo para o efeito apresentar um novo ficheiro excel. Neste caso, o pagamento do apoio relativamente a estes trabalhadores é concedido pelo período remanescente de lay-off. 

Não obstante a possibilidade de excluir trabalhadores do regime de lay-off não ser expressamente prevista na Portaria n.º 94-A/2020, de 16 de abril, a informação prestada pela Segurança Social é a de que os empregadores podem fazê-lo. Isso mesmo resulta das Instruções de Preenchimento do Anexo ao Modelo RC 3057/1-DGSS (disponível através de hiperligação). Nesta hipótese, deve ser também apresentado um novo ficheiro Excel, sendo o apoio relativo a estes trabalhadores pago apenas por referência ao período em que os mesmos estiveram abrangidos pelo lay-off.

10. Os empregadores que tenham recorrido ao “lay-off simplificado” estão impedidos de renovar contratos de trabalho a termo?

No regime de “lay-off comum” (constante do Código do Trabalho), os empregadores estão impedidos de proceder à renovação de contratos de trabalho para preenchimento de postos de trabalho que possam ser assegurados por trabalhadores abrangidos pelo lay-off (seja em situação de redução do período normal de trabalho ou em situação de suspensão do contrato de trabalho), nos termos do disposto no artigo 303.º, n.º 1, alínea e) do Código do Trabalho.

Caminho distinto foi seguido no âmbito do lay-off simplificado, tendo o Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de maio aditado ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março o artigo 25.º-C, n.º 3, afastando expressamente o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 303.º do Código do Trabalho, no que respeita à renovação de contratos de trabalho a termo, que é, assim, nestes casos, admissível.

11. O Decreto-Lei n.º 10-G/2020, de 26 de março, prevê a atribuição às empresas que tenham recorrido ao “lay-off simplificado” de um incentivo financeiro extraordinário para apoio à normalização da atividade da empresa. Como podem as empresas aceder a este apoio?

Este incentivo, previsto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10-G/2020, de 26 de março (disponível através de hiperligação), tem o valor de uma retribuição mínima mensal garantida (€635,00) por trabalhador, sendo pago de uma só vez. 

Este incentivo não é de atribuição automática, devendo o empregador apresentar requerimento ao Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P. O procedimento, condições e termos de acesso a este incentivo serão regulamentados por portaria, conforme decorre do disposto no artigo 25.º-C, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, na sua redação atual.

12. Os poderes dos inspetores da Autoridade para as Condições do Trabalho (“ACT”) em matéria de controlo da licitude dos despedimentos atribuídos no âmbito do estado de emergência mantêm-se em vigor?

Na sequência das medidas que já haviam sido adotadas ao abrigo do estado de emergência (cf. Decreto n.º 2-B/2020, de 2 de abril e Decreto n.º 2-C/2020, de 17 de abril), a Lei n.º 14/2020, de 9 de maio aditou à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março (todos disponíveis através de hiperligação) o artigo 8.º-C, reforçando os poderes da ACT em matéria de suspensão de despedimento cujos indícios de ilegalidade sejam manifestos. 

Assim, nos termos do referido preceito legal, os poderes atribuídos à ACT no âmbito do estado de emergência mantêm-se, incumbindo ao inspetor da ACT que verifique a existência de indícios de um despedimento em violação das normas constantes do artigo 381.º a 384.º do Código do Trabalho, lavrar auto e notificar o empregador para regularizar a situação. Esta notificação tem como efeito a suspensão do despedimento, mantendo-se o contrato de trabalho em vigor, com os inerentes direitos de ambas as partes, designadamente o direito à retribuição. Trata-se de solução legal que suscita as maiores reservas e que irá, seguramente, determinar significativa litigância pós-COVID-19. 

Com o decurso do tempo, é expectável que surjam novas questões, cujas respostas exigirão novos esforços de adaptação. Procederemos, por isso, a revisões periódicas desta informação, sempre que adequado. 

Rita Canas da Silva | rcs@servulo.com

Maria Novo Baptista | mnb@servulo.com