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Novas Regras Europeias sobre OIC: a AIFMD II/ UCITS VI

SÉRVULO PUBLICATIONS 02 Apr 2024

1.º Enquadramento

Foi publicada a Diretiva (UE) 2024/927 do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de março de 2024, que altera as duas principais diretivas europeias sobre organismos de investimento coletivo, a AIFMD e a Diretiva UCITS (doravante AIFMD II e UCITS VI). Este importante diploma deve ser transposto, salvo algumas exceções, até 16 de abril 2026, pelo que irá até essa data determinar importantes alterações ao Regime da Gestão de Ativos (RGA) e é aqui analisado nas suas vertentes essenciais.

2.º Subcontratação

A Diretiva tem o mérito de clarificar o conceito de subcontratação, que se reconduz aos casos em que prestação dos serviços principais ou acessórios relativos a OIC seja confiada a terceiros. A AIFMD II considera para o efeito como relevantes os serviços principais fixados no anexo I e a lista de serviços acessórios estabelecidos no artigo 6.º, n.º 4 dessa diretiva. A AIFMD II/UCITS VI clarifica ainda que a comercialização de UP por entidade diferente da sociedade gestora não equivale a uma subcontratação sempre que o comercializador atua em nome próprio.

A AIFMD II/ UCITS VI obriga ainda à prestação de informação adicional sobre subcontratação e sobre os meios da sociedade gestora e as medidas periódicas de diligência devida aplicadas para acompanhar os subcontratados.

3.º Comercialização

A AIFMD II introduz importantes alterações que, pretendendo reforçar a integridade do mercado de capitais europeu, têm impacto nos requisitos cuja observância é indispensável para a obtenção de uma autorização para a comercialização na União Europeia de unidades de participação representativas de OIC provenientes de países terceiros.

A possibilidade de comercialização de OIC constituídos ou autorizados em jurisdições não pertencentes à União Europeia pressuponha já, nos termos da AIFMD, que tal geografia não se demonstrasse como uma jurisdição de risco em termos de prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo. Para efeitos de identificação desse risco, valia a avaliação concretizada pelo FAFT/GAFI. Com a AIFMD II promove-se a coerência a nível europeu fixando-se como elenco que agora deverá ser considerado para estes efeitos aquele que é definido pela Comissão através de ato delegado, ao abrigo do artigo 9.º, n.º 2 da Diretiva (UE) 2015/849, e que presentemente consta do Regulamento Delegado (UE) 2016/1675 da Comissão de 14 de julho de 2016 (que sofreu já variadíssimas alterações). Este ajustamento à AIFMD, quando transposto, terá consequência nos artigos 157.º, 158.º, 160.º e 162.º do RGA. Por sua vez, a referência genérica a países terceiros de risco elevado constante do artigo 161.º do RGA, relativo à comercialização não harmonizada junto de investidores não profissionais, deverá, após transposição da AIFMD II, ser também interpretada no sentido de remeter para o elenco de geografias fixado pela Comissão.

Por seu turno, encontra-se ainda na AIFMD II uma outra importante modificação que visa promover, agora no âmbito fiscal, um transversal e coerente regime europeu preventivo de práticas ilícitas. É estabelecido que as geografias de onde provêm os OIC a comercializar não possam ser jurisdições não cooperantes para efeitos fiscais tal como definidas pelo Conselho nas suas conclusões sobre a lista revista da UE de jurisdições não cooperantes para efeitos fiscais (2020/C 64/03). Esta alteração quando transposta deverá ter consequências nos artigos do RGA já referidos.

Coerentemente, estas alterações são também incluídas no regime da AIFMD relativo a depositários de país terceiro, pelo que a transposição deste novo ato normativo europeu terá também implicações no artigo 159.º do RGA.

Por fim, na dimensão da distribuição de OIC, identifica-se uma relevante modificação referente à comercialização junto de investidores não profissionais. Sem prejuízo de a comercialização dirigida a estes investidores carecedores de maior tutela continuar a ser uma opção dos Estados-Membros, estabelece-se a obrigação de permitir a comercialização, transfronteiriça ou não, de unidades de participação de OIA da União Europeia que invistam predominantemente em ações de uma determinada sociedade junto de trabalhadores do respetivo grupo. Apesar da relevância desta alteração, a mesma tem já cobertura no RGA (cf., em especial, artigo 142.º, n.º 2 e artigo 161.º do RGA). 

4.º Informação 

A Diretiva AIFMD II/UCITS VI introduz alterações significativas em matéria de prestação de informação a cargo das sociedades gestoras de OIC. De um modo global, as sociedades gestoras de OIC deverão reportar às autoridades competentes do Estado-Membro de origem informações relativas aos acordos de subcontratação referentes às funções de gestão de carteiras ou de gestão dos riscos e a lista dos Estados-Membros em que as unidades de participação ou ações do OIC são efetivamente comercializadas pela sociedade gestora ou por um distribuidor que atue em seu nome[1].

Em especial, as sociedades gestoras de OICVM passarão a ter de reportar, periodicamente, relatórios sobre os mercados e instrumentos em que negoceiam em nome dos OICVM por si geridos e, em relação a cada um dos OICVM geridos, informações sobre os instrumentos em que negoceia, os mercados de que é membro ou nos quais negoceia de forma ativa e as exposições e ativos dos OICVM. Tais informações deverão incluir os identificadores necessários para ligar os dados fornecidos sobre ativos, OICVM e sociedades gestoras a outras fontes de dados de supervisão ou de acesso público. Além disso, a sociedade gestora de OICVM terá de reportar, relativamente a cada OICVM gerido, nomeadamente, os mecanismos de gestão da liquidez, o atual perfil de risco, o montante total do efeito de alavanca utilizado e os resultados dos testes de esforço efetuados[2].

No caso das sociedades gestoras de OIA, será necessário proceder à divulgação, periodicamente, da composição da carteira de empréstimos concedidos e, anualmente, das taxas, encargos e despesas a cargo dos investidores e qualquer empresa-mãe, filial ou entidade com fins específicos utilizada em relação aos investimentos do OIA pela sociedade gestora de OIA ou em seu nome[3]. Também o conteúdo do documento com a informação aos investidores de OIA dirigidos exclusivamente a investidores profissionais passará a ter de incluir uma lista das taxas, dos encargos e das despesas a cargo da sociedade gestora de OIA em relação ao funcionamento do OIA e que ficarão direta ou indiretamente a cargo da sociedade gestora de OIA[4]. 

5.º Depositário

Até à entrada em vigor da AIFMD II, o depositário do OIC, nomeado pela sociedade gestora, deveria ter a sua sede social ou uma sucursal no mesmo país do OIC[5]. A AIFMD II veio alterar esta regra ao permitir aos Estados-Membros habilitar as respetivas autoridades competentes a autorizar a nomeação de um depositário estabelecido noutro Estado-Membro. Porém, essa nomeação não equivale a um verdadeiro passaporte de depositário e, como tal, o depositário só pode ser nomeado se todas as condições da previstas na AIFMD II forem cumpridas e se for obtida a aprovação prévia da autoridade competente e, de seguida, informada a ESMA. 

Essas condições incluem a inexistência de um depositário adequado no Estado-Membro de origem do OIC capaz de satisfazer eficazmente as suas necessidades tendo em conta a sua estratégia de investimento, a inexistência, em termos monetários, de um mercado significativo para os serviços de depositário no Estado-Membro de origem[6] e uma avaliação casuística dessa inexistência de serviços de depositário relevantes no Estado-Membro de origem[7]. 

Logicamente que tal autorização acrescenta uma especial obrigação para o depositário, que fica agora adstrito a disponibilizar determinadas informações, a pedido, não só à sua própria autoridade nacional competente, mas também às autoridades competentes de qualquer OIA ao qual prestem serviços[8].

Uma outra alteração relevante introduzida pela AIFMD II/UCITS VI prende-se com o alargamento do regime de depositário de modo a incluir as centrais de valores mobiliários (“CVM”) na cadeia de custódia quando estas prestem serviços de custódia aos OIA e OICVM, com o intuito de assegurar que existe sempre um fluxo estável de informações entre a entidade de custódia do ativo de um OIC e o depositário. 

Em termos de subcontratação das funções de depositário, a AIFMD II/UCITS VI veio dispor que os serviços prestados por uma CVM que participe no sistema de liquidação de valores mobiliários operado por outra CVM ou que recorra a um terceiro ou intermediário que participe no sistema de liquidação de valores mobiliários operado por outra CVM em relação a uma emissão de valores mobiliários (designada Central de Valores Mobiliários Investidora[9]) serão considerados como subcontratação[10] e não implica que os depositários tenham que efetuar uma diligência ex ante sempre que tencionem delegar a custódia em centrais de valores mobiliários. Porém, clarifica a AIFMD II/UCITSD VI que a subcontratação por um depositário numa CVM não constitui uma subcontratação de custódia quando a CVM presta os serviços de registo inicial de valores mobiliários num sistema de registo centralizado ou de estruturação e administração de sistema centralizado de valores mobiliários (designada Central de Valores Mobiliários Emitente[11]).

No que respeita às disposições relativas à concessão de empréstimos previstas na AIFMD II, a fim de limitar os conflitos de interesses, os OIA ficam agora impedidos de conceder empréstimos aos depositários ou a quaisquer entidades nas quais o depositário tenha subcontratado funções relativamente a esse OIA[12]. 

6.º OIC de créditos

A AIFMD II alargou a noção de concessão de empréstimos, tendo em consideração de que a mesma nem sempre é levada a cabo diretamente pelo OIC de crédito. Pode suceder, por exemplo, que um fundo conceda um empréstimo indiretamente através de um terceiro ou de uma entidade com fins específicos que concede o empréstimo por conta ou em nome do fundo antes de ficar exposto ao empréstimo. Nos casos em que o OIC de crédito ou a sua gestora participe na estruturação do empréstimo ou na definição ou aprovação prévia das suas características, estas deverão ser considerados atividades de concessão de empréstimos e ser abrangidos pela diretiva[13].

Por razões imperativas de reconhecido interesse público, a AIFMD II veio reconhecer que os Estados-Membros têm a possibilidade de proibir a concessão de empréstimos pelos OIC de crédito aos consumidores no respetivo território, bem como de gerirem os créditos concedidos a esses consumidores no seu território[14]. Trata-se de um aspeto que o legislador nacional já havia antecipado no direito interno, o que demonstra a boa opção anteriormente tomada.

A fim de assegurar a estabilidade e a integridade do sistema financeiro, os OIC de créditos deverão estar sujeitos a um limite de alavancagem que varia consoante sejam de tipo aberto ou fechado. O risco é naturalmente maior no caso dos OIC de crédito abertos, que podem ser objeto de níveis elevados de resgate pelos participantes. Um OIC de crédito deve, por isso, assegurar que o efeito de alavancagem não represente mais de[15]: 

a) 175 %, se for de tipo aberto;

b) 300 %, se for de tipo fechado. 

Sempre que tal seja considerado necessário para garantir a estabilidade e a integridade do sistema financeiro, os Estados-Membros poderão estabelecer limites de alavancagem mais rigorosos.

Os empréstimos deverão ser concedidos com o único propósito de investir o capital mobilizado pelo OIC de crédito e, por isso, a AIFMD II determina que os OIC de créditos não podem ter como estratégia de investimento conceder empréstimos com o único objetivo de transferir esses empréstimos ou posições em risco para terceiros. E, caso venham a transferir para terceiros em mercado secundário créditos por si concedidos (originated), devem reter, num base contínua, 5% do valor nocional dos empréstimos[16].

Finalmente, os empréstimos concedidos a um único mutuário pelo OIC de crédito não poderão exceder 20% do capital total do referido OIC, quando o mutuário seja uma instituição financeira, OIC de crédito ou um OICVM[17]. 

7.º Gestão da liquidez

No que diz respeito à gestão do risco de liquidez, a nova Diretiva introduz alterações tanto ao nível da AIFMD como da UCITS. Estas alterações prendem-se, sobretudo, com a seleção e utilização dos instrumentos de gestão de liquidez, sendo que as regras aplicáveis aos OIA e aos OICVM são essencialmente iguais. Em ambos os casos, as sociedades gestoras encontram-se obrigadas a avaliar e escolher pelo menos dois dos instrumentos de gestão de liquidez previstos no Anexo II (anterior Anexo V) no caso dos OIA e no Anexo II-A (anterior Anexo IV) no caso dos OICVM. Esta seleção deve considerar a respetiva estratégia de investimento, perfil de liquidez e política de resgate, devendo aqueles constar do regulamento de gestão e documentos constitutivos dos fundos.

Merece reter duas regras especiais. Relativamente aos fundos do mercado monetário, as sociedades gestoras podem escolher somente um instrumento de gestão de liquidez. Por seu turno, os OIC de créditos (loan-originating AIF) apenas podem ser OIC abertos se apresentarem um sistema de gestão do risco de liquidez compatível com a sua estratégia de investimento e a sua política de resgate.

Por fim, refira-se que as sociedades gestoras de OIC se encontram obrigadas a comunicar às autoridades nacionais competentes sempre que pretendam ativar ou desativar os instrumentos de gestão de liquidez.

Paulo Câmara | pc@servulo.com

Francisco Barona | fb@servulo.com

José Guilherme Gomes | jgg@servulo.com

Guilherme Ribeiro Martins | grm@servulo.com

Catarina Mira Lança | cml@servulo.com

Andreea Babicean | aba@servulo.com



[1] Cf. artigo 1.º, n.º 12, al. b), subalíneas i) e ii) da Diretiva AIFMD II, que altera o artigo 24.º, n.º 2, al. d) da AIFMD e adita a al. f) ao n.º 2 do mesmo artigo; e cf. artigo 2.º, n.º 7 da Diretiva UCITS VI que adita o artigo 20.º-A à Diretiva UCITS (v. em particular o n.º 2, alíneas d) e e)).

[2] Cf. artigo 2.º, n.º 7 da Diretiva UCITS VI que adita o artigo 20.º-A à Diretiva UCITS (v. em particular o n.º 2).

[3] Cf. artigo 1.º, n.º 11, al. b) da Diretiva AIFMD II, que adita as alíneas d), e) e f) ao n.º 4 do artigo 23.º da AIFMD.

[4] Cf. artigo 1.º, n.º 11, al. a), subalínea iii) da Diretiva AIFMD II, que adita a alínea i-A) ao n.º 1 do artigo 23.º da AIFMD.

[5] Artigo 23.º, n.º 1 da UCITSD e artigo 21.º, n.º 5, al. a), da AIFMD I.

[6] Note-se que os depositários de países terceiros não poderão beneficiar do novo regime de serviços de depositário a nível transfronteiriço, uma vez que este só estará disponível para os depositários dos Estados-Membros.

[7] Artigo 1.º, n.º 10, al. a) da Diretiva AIFMD II /UCITSD VI, que adita o número 5-A. ao artigo 21.º da AIFMD.

[8] Cfr. artigo 1.º, n.º 10, al. d) da Diretiva AIFMD II /UCITSD VI, que altera a redação do artigo 21.º, número 16 da AIFMD.

[9] Cfr. Artigo 1.º, alínea f) do Regulamento Delegado (UE) 2017/392 da Comissão, de 11 de novembro de 2016.

[10] Cfr. artigo 1.º, n.º 10, al. c) da Diretiva AIFMD II /UCITSD VI, que altera a redação do artigo 21.º, número 11 da AIFMD e artigo 2.º, n.º 8, al. b) que altera a redação do artigo 22.º-A, número 4 da UCITSD V.

[11] Cfr. Artigo 1.º, alínea e) do Regulamento Delegado (UE) 2017/392 da Comissão, de 11 de novembro de 2016.

[12] Cfr. artigo 1.º, n.º 7, al. a) da Diretiva AIFMD II /UCITSD VI, que altera a redação do artigo 15.º, número 3 da AIFMD.

[13] Cfr. artigo 1.º, n.º 1, al. b) da Diretiva AIFMD II, que adita o ponto a-R) ao artigo 4 da diretiva.

[14] Cfr. artigo 1.º, n.º 7, al. b) da Diretiva AIFMD II /UCITSD VI, que adita o ponto 4-G ao artigo 15.º da AIFMD.

[15] Cfr. artigo 1.º, n.º 7, al. b) da Diretiva AIFMD II /UCITSD VI, que adita o ponto 4-B ao artigo 15.º da AIFMD.

[16] Cfr. artigo 1.º, n.º 7, al. b) da Diretiva AIFMD II /UCITSD VI, que adita o ponto 4-H ao artigo 15.º da AIFMD.

[17] Cfr. artigo 1.º, n.º 7, al. b) da Diretiva AIFMD II /UCITSD VI, que adita o ponto 4-A ao artigo 15.º da AIFMD.