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Novas metas relativas ao consumo de energia proveniente de fontes renováveis

SÉRVULO PUBLICATIONS 27 Dec 2022

I. Enquadramento

Tornou-se, hoje em dia, impossível argumentar contra a existência de uma crise climática cujos efeitos, parece, se tornaram já irreversíveis ao ponto de comprometer os recursos disponíveis e, por conseguinte, a sobrevivência das gerações futuras e da vida na Terra tal como a conhecemos.

Neste contexto, as instituições europeias têm vindo a implementar metas ambiciosas para incentivar a produção e o consumo de energias renováveis, com o objetivo último de reduzir a dependência dos Estados-Membros das energias fósseis e a emissão de gases com efeito de estufa. Em Portugal, foi recentemente publicado o Decreto-Lei n.º 84/2022, de 9 de dezembro, o qual, concluindo a transposição da Diretiva (UE) 2018/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018 (“Diretiva Renováveis”), procede à atualização das metas nacionais de energia renovável no consumo final e alarga os mecanismos de verificação dos critérios de sustentabilidade e o sistema de emissão de garantias de origem.

II. Novas Metas Nacionais de Utilização de Energia Renovável

O compromisso assumido pelo Governo Português de atingir a neutralidade carbónica em 2050 e os objetivos plasmados no Plano Nacional de Energia e do Clima 2030 reclamavam a atualização das metas até então previstas no Decreto-Lei n.º 141/2020, de 31 de dezembro, cujo artigo 2.º definia, para o ano de 2020, uma meta de utilização de energia proveniente de fontes renováveis no consumo final bruto de energia de 31 %.

O Decreto-Lei n.º 84/2022, de 9 de dezembro, é agora muito mais ambicioso em termos de metas:

a) Aponta para uma quota, em 2030, igual ou superior a 49% (2% acima da meta de 47% prevista no PNEC para o mesmo ano) e prevê metas intercalares indicativas para 2024 (consumo igual ou superior a 34%), 2026 (40%) e 2028 (44%), ficando a verificação do cumprimento de todas as metas previstas a cargo da Direção Geral de Energia e Geologia;

b) Estabelece um limite mínimo da quota de utilização de energia proveniente de fontes renováveis no consumo final bruto de energia: 31%;

c) No setor dos transportes:

(i) Impõe, em geral, que, até 2030, pelo menos 29% do consumo final seja assegurado por energia proveniente de fontes renováveis;

(ii) Nos transportes marítimos e aéreos, essa quota deverá ser de 2,5% a partir de 2025 e 9% a partir de 2029, e, para os transportes ferroviários, de 75% e de 100% respetivamente;

(iii) Os fornecedores de combustíveis de baixo teor em carbono devem assegurar a incorporação de combustíveis de baixo teor em carbono nas seguintes percentagens, calculadas sobre as quantidades de combustíveis rodoviários por si introduzidos no consumo: 13% a partir de 2025, 14% a partir de 2027 e 16% a partir de 2029;

(iv) O não cumprimento pelos fornecedores da obrigação de incorporação referida gera uma obrigação de optar entre pagar uma compensação por cada título de biocombustível e de títulos de baixo carbono em falta (cujos montantes serão fixados por despacho do diretor-geral de Energia e Geologia) ou requerer autorização para cumprir a obrigação de incorporação no trimestre seguinte;

d) Estabelece regras detalhadas e claras sobre o cálculo da quota de utilização de energia proveniente de fontes renováveis.

III. Critérios de Sustentabilidade e de Redução das Emissões de Gases com Efeito de Estufa

Para efeitos do alcance das novas metas estipuladas, o diploma vem atualizar os critérios de sustentabilidade até então previstos no Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, e prevê critérios de redução das emissões de gases com efeitos de estufa resultantes da utilização de biocombustíveis, biolíquidos e combustíveis biomássicos, que serão complementados por uma metodologia a definir por portaria de membro do Governo responsável pela área da energia.

A obrigação de comprovar o cumprimento dos critérios recai sobre os produtores e importadores dos combustíveis de baixo teor de carbono. Devem recorrer a um método de balanço de massas rigorosamente definido no artigo 16.º do decreto-lei, o qual deverá ser suportado por uma auditoria independente que certifique, não apenas a veracidade da informação transmitida, mas também a fiabilidade dos sistemas utilizados.

A função de verificação cabe ao Laboratório Nacional de Energia e Geologia, I.P. (LNEG, I.P.), enquanto entidade coordenadora do cumprimento dos critérios de sustentabilidade (ECS), e nos termos de regulamento relativo ao seu funcionamento, a aprovar em portaria ministerial.

IV. Promoção da Utilização de Energia Proveniente de Fontes Renováveis nos Instrumentos de Gestão Territorial

O Decreto-Lei n.º 84/2022, de 9 de dezembro, estabelece ainda o regime de promoção da utilização de energia proveniente de fontes renováveis pelos municípios, em matéria de urbanização e edificação.

Assim, a partir de 1 de janeiro de 2024, devem ser privilegiadas soluções com sistema de energia passiva na conceção, projeto, construção e reabilitação de edificações e respetivas obras de urbanização e no planeamento da infraestrutura urbana, por parte da Administração. Neste contexto, os planos intermunicipais e os planos municipais de ordenamento do território, bem como os regulamentos municipais e demais normas legais e regulamentares aplicáveis em matéria de construção, deverão (i) incluir medidas adequadas para aumentar a utilização de sistemas de energia passiva e, caso necessário, de energia proveniente de fontes renováveis no setor da construção e (ii) promover a utilização de sistemas e equipamentos de aquecimento e arrefecimento à base de energias renováveis que atinjam uma redução significativa do consumo de energia.

Em concreto, os municípios devem prever, nos seus planos e regulamentos municipais e demais normas aplicáveis em matéria de construção (i) a utilização de rótulos energéticos ou ecológicos ou outros certificados ou normas adequados, (ii) no caso da biomassa, a utilização de tecnologias de conversão que atinjam uma eficiência de conversão de, pelo menos, 85% para as aplicações residenciais e comerciais e de, pelo menos, 70% para as aplicações industriais e (iii) no caso da energia solar térmica, a utilização de equipamentos e sistemas certificados.

V. Garantias de Origem

Por força do Decreto-Lei n.º 84/2022, de 9 de dezembro, a emissão de garantias de origem, que se destinam a comprovar ao cliente a quantidade de energia proveniente de fontes renováveis no cabaz energético, passa a abranger os produtores de (i) eletricidade a partir de fontes de energia renováveis, (ii) energia de aquecimento ou arrefecimento a partir de fontes de energia renováveis, (iii) gases de baixo teor de carbono e para gases de origem renovável e (iv) de energia em instalações de cogeração de elevada eficiência.

Em contrapartida, os produtores que tenham solicitado a emissão de garantias de origem ficam abrangidos por obrigações em matéria de disponibilização de informações, de autorização de acesso às suas instalações pela EEGO e de cooperar nas auditorias e ações de monitorização levadas a cabo pela entidade responsável pela emissão das garantias de origem.

VI. Promoção de Biocombustíveis e Biogás nos Transportes

Como instrumento para o cumprimento das metas em matéria de transportes, são definidos mecanismos de promoção de biocombustíveis e biogás nos transportes:

a) Regula-se a comercialização de biocombustíveis, seja em estado puro ou através de mistura, bem como a comercialização de novos combustíveis para consumo nos transportes, que ainda não sejam conhecidos no mercado nacional;

b) Prevê-se a emissão de títulos de biocombustível e de títulos de baixo carbono, válidos por dois anos, emitidos pela ENSE, E.P.E., a favor do fornecedor ou importador de combustíveis de baixo teor em carbono, após verificação do cumprimento dos critérios de sustentabilidade e de redução de emissões dos gases com efeito estufa previstos no mesmo decreto-lei;

c) É criada uma plataforma eletrónica de títulos de biocombustível bonificados (gerida pela ENSE), através da qual são transacionados pelos menos 5% dos títulos.;

d) Define-se ainda os termos em que os títulos de biocombustível podem ser colocados em leilão.

VII. Regime sancionatório e de compensações

Destaca-se ainda a previsão de um regime sancionatório relevante, com tipificação de contraordenações simples e contraordenações ambientais, cuja instauração, instrução e decisão cabe à ENSE, E.P.E.. 

Ana Luísa Guimarães | alg@servulo.com

Catarina Pita Soares | csg@servulo.com

João Tomé Pilão | jtp@servulo.com

Inês de Mundel Calado | imc@servulo.com

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