Please note, your browser is out of date.
For a good browsing experience we recommend using the latest version of Chrome, Firefox, Safari, Opera or Internet Explorer.

O mecanismo excecional e temporário de ajuste dos custos de produção de energia elétrica no âmbito do MIBEL instituído pelo Decreto-Lei n.º 33/2022, de 14 de maio

SÉRVULO PUBLICATIONS 27 May 2022

1. O contexto histórico sem precedentes

Como é de conhecimento geral, o contexto histórico que atravessamos fez disparar os preços da eletricidade na Europa. Em resposta à grande instabilidade dos preços no setor energético, o Governo estabeleceu, no passado dia 14 de maio, um mecanismo excecional e temporário de ajuste dos custos de produção de energia elétrica no âmbito do Mercado Ibérico de Eletricidade (MIBEL). Este mecanismo tem como objetivo primordial o desacoplamento do preço do gás natural face ao preço da energia elétrica praticado no MIBEL, tendo sido desenhado em cooperação com o Governo espanhol por força da integração do mercado grossista de eletricidade dos dois países.

Assim, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 33/2022, de 14 de maio, que entrou em vigor no passado dia 15 de maio de 2022, e que foi publicado simultaneamente ao Real Decreto-Ley 10/2022, de 13 de maio, em Espanha, este mecanismo vigorará temporariamente até dia 31 de maio de 2023 (embora possa ser suspenso por força de razões de interesse público decorrentes de circunstâncias excecionais pelo Governo, ouvida a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos e com o acordo prévio do Governo Espanhol).

 2. Traços gerais do mecanismo de ajuste

O mecanismo de ajuste dos custos de produção de energia elétrica instituído consiste na fixação de um preço de referência para o gás natural consumido na produção de energia elétrica transacionada no âmbito do MIBEL, de forma a reduzir os respetivos preços da eletricidade. Por conseguinte, este mecanismo aplica-se aos centros electroprodutores de ciclo combinado a gás natural ou de cogeração, como resulta do artigo 2.º do diploma.

O preço de referência, que funciona como um cap, é fixado pelo diploma em 40 €/MWh, sendo que a partir do sétimo mês de aplicação este montante será mensalmente aumentado num valor nominal de 5 €/MWh. O cálculo do valor diário do ajuste, expresso em €/MWh, será efetuado mediante a aplicação de uma fórmula matemática em que a diferença entre o preço de referência do gás natural e o respetivo preço de aquisição no mercado é dividida por um valor numérico previamente definido, com base no funcionamento do mercado: 0,55.

Assim, é por efeito da fixação desse cap que os centros eletroprodutores termoelétricos e as instalações de cogeração internalizam o ajuste no valor das ofertas que fazem no mercado spot, que é calculado pelo operador nomeado do mercado da eletricidade (o ONME que, para Portugal e Espanha, corresponde ao OMIE). A internalização do ajuste permite, portanto, que o aumento do preço do gás natural consumido na produção de energia elétrica não se reflita diretamente no preço da mesma, uma vez que o preço de referência limita o preço marginal a que os produtores de eletricidade (de todas tecnologias/fontes) farão as suas ofertas no mercado. Como o preço de fecho no MIBEL é marcado pelo preço oferecido em cada hora pelo despacho da tecnologia mais cara, que tem sido frequentemente a que depende do gás natural, o facto de o preço da eletricidade produzida com base no gás descer arrasta para baixo o preço de todos os outros produtores, com claro benefício para os consumidores.

3. A repercussão do ajuste

Nos termos do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 33/2022, de 14 de maio, o valor do ajuste deverá ser suportado pelos comercializadores, agentes de mercado e consumidores grossistas de energia elétrica que operam no âmbito do mercado grossista de eletricidade. Compreende-se a razão de ser desta solução: são estas as entidades do setor que beneficiam da redução do preço de oferta da energia elétrica, induzido pela redução dos preços marginais da energia proveniente das centrais a gás ou de cogeração.

O OMIE, enquanto operador nomeado do mercado de eletricidade, é responsável pela liquidação do ajuste junto de cada agente de mercado, procedendo depois ao pagamento do mesmo aos produtores de energia abrangidos pelo mecanismo.

Note-se, contudo, que estão isentos da liquidação do valor do ajuste os consumos realizados ao abrigo de contratos de fornecimento de energia elétrica a preços fixos, celebrados antes de 26 de abril de 2022, bem como os consumos de bombagem dos centros eletroprodutores hídricos, dos serviços auxiliares dos restantes centros eletroprodutores e ainda os sistemas de armazenamento (designadamente as baterias).

4. Demais obrigações impostas aos comercializadores e agentes de mercado

Para efeitos de apuramento das isenções previstas no artigo 7.º, os comercializadores e agentes de mercado, bem como os comercializadores de empresas verticalmente integradas, devem, sob pena de incorrerem na prática de contraordenação – nos termos da Lei n.º 9/2013, de 28 de janeiro -, informar o OMIE e o gestor global do Sistema Elétrico Nacional (papel que, como se sabe, é, atualmente, desempenhado pela REN – Rede Energética Nacional, S.A.) sobre os contratos de fornecimento de energia elétrica a preços fixos celebrados antes de 26 de abril de 2022, bem como acerca dos contratos de fornecimento de energia elétrica celebrados ao abrigo de instrumentos regulatórios aprovados antes dessa data, no prazo de 5 dias úteis a contar da entrada em vigor do Decreto-Lei (portanto, até ao passado dia 20 de maio). Estas obrigações declarativas foram já objeto de uma Diretiva da ERSE, a Diretiva n.º 11/2022, de 14 de maio.

Finalmente, os comercializadores e demais agentes de mercado sujeitos ao mecanismo instituído encontram-se também vinculados à prestação de garantias à ordem do OMIE, para o cumprimento das obrigações decorrentes da liquidação do valor do ajuste de mercado, sob pena da impossibilidade da sua participação nos mercados. Assim, o incumprimento da obrigação de liquidação do valor do ajuste de mercado determina a execução, pelo OMIE, da garantia prestada, ao passo que a falta de prestação ou manutenção da garantia determina a suspensão, por parte do OMIE, da participação dos comercializadores ou dos agentes de mercado visados nos mercados. 

Mark Bobela-Mota Kirkby | mak@servulo.com

Catarina Pita Soares | csg@servulo.com

Isabel Guimarães Salgado | mis@servulo.com

Expertise Relacionadas
Public Law Energy