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A Recomendação Europeia relativa à promoção do financiamento com vista à transição para uma economia sustentável: um chiaroscuro normativo

SÉRVULO PUBLICATIONS 28 Jul 2023

Foi publicada, no passado dia 7 de julho, a Recomendação (UE) 2023/1425 da Comissão, de 27 de junho de 2023, que tem por objeto a promoção do financiamento com vista à transição para uma economia sustentável (doravante, apenas “Recomendação”).

Tendo em vista os objetivos ambientais definidos pela União Europeia, a transição para uma economia sustentável até 2050 implicará um investimento muito significativo por parte da União, especialmente até 2030. É nesse contexto que surge esta Recomendação, que se destina a clarificar e a apoiar o processo de financiamento privado da transição por parte das empresas, enquanto destinatárias do financiamento, e as instituições financeiras e os investidores, enquanto financiadores da transição.

Centrando-se no financiamento da transição, a Recomendação assume uma dupla finalidade: por um lado, a clarificação dos “conceitos básicos associados a este tipo de financiamento” e, por outro, a promoção da “utilização de instrumentos que possam incentivar um aumento da utilização do financiamento da transição privado”, através da apresentação, aos participantes no mercado que pretendem obter ou fornecer este tipo de financiamento, de sugestões práticas sobre a forma de abordar o financiamento da transição.

 

  •  Âmbito de Aplicação 

A Recomendação é dirigida aos participantes no mercado, sendo estes (i) as empresas que desejam contribuir para a transição para a neutralidade climática e a sustentabilidade ambiental, com exclusão das microempresas, (ii) os intermediários financeiros e os investidores dispostos a conceder financiamento da transição às empresas, (iii) os Estados-Membros e (iv) as autoridades de supervisão financeira (europeias e nacionais).

Tendo em vista a concretização da primeira finalidade acima referida, a Recomendação começa por tratar os conceitos-chave sobre os quais se debruça, fornecendo as definições de transição e de financiamento da transição, entendendo-se a primeira como a transição dos atuais níveis de desempenho climático e ambiental para uma economia com impacto neutro no clima, resiliente às alterações climáticas e ambientalmente sustentável, num prazo que permita alcançar os objetivos climáticos e ambientais da UE, e o segundo correspondendo ao financiamento de investimentos compatíveis com a transição e que contribuam para a mesma, evitando dependências, nomeadamente:

a) investimentos em carteiras de instrumentos financeiros que sigam os índices de referência da UE para a transição climática e os índices de referência da UE alinhados com o Acordo de Paris (os “índices de referência da UE em matéria de clima”);

b) investimentos em atividades económicas alinhadas com a taxonomia europeia, nomeadamente:

i) atividades económicas de transição, na aceção do artigo 10.º, n.º 2, do Regulamento Taxonomia, para o objetivo de atenuação das alterações climáticas;

ii) atividades económicas elegíveis para a taxonomia que se tornem alinhadas com a mesma durante um período máximo de 5 anos (excecionalmente, de 10 anos);

c) investimentos em empresas ou atividades económicas com um plano de transição credível, a nível da empresa ou a nível da atividade;

d) investimentos em empresas ou atividades económicas que tenham objetivos credíveis assentes em dados científicos, que sejam proporcionados e corroborados por informações que garantam a integridade, a transparência e a responsabilização.

 

  • Recomendações 

Ao nível das empresas, é recomendada a utilização de trajetórias de transição credíveis com uma base científica e também a utilização, sempre de forma voluntária, de outros instrumentos como a taxonomia e os índices de referência da UE em matéria de clima. A acrescer, é sugerida a possibilidade de serem utilizados planos de transição credíveis[1] como forma de potenciar a definição das metas de transição e de articular, de forma estruturada e coerente, as ações e as necessidades específicas de financiamento da transição ao nível da empresa e da atividade económica, podendo, desse modo, os intermediários financeiros e os investidores mais facilmente compreender, comparar e aferir as oportunidades de financiamento da transição.

A Recomendação incentiva ainda a utilização de instrumentos para obter financiamento da transição, referindo-se à possibilidade de existirem diferentes tipos de empréstimos e emissões do mercado de capitais com características específicas, associados a metas de desempenho em matéria de sustentabilidade (como os empréstimos verdes, com possibilidade de taxas de juro “competitivas” se o desempenho ambiental previsto subjacente ao crédito contribuir para reduzir os riscos relacionados com a transição, ou os empréstimos ligados à sustentabilidade, cujas taxas de juro poderão estar ligadas à consecução das metas de desempenho em matéria de sustentabilidade previstas, evitando os efeitos de dependência, e ainda as green bonds e outras ligadas à sustentabilidade, assim como o financiamento mediante a emissão de ações e crédito especializado).

Já as pequenas e médias empresas (PME) são incentivadas a colaborar com os intermediários financeiros e os investidores para avaliar as opções de financiamento e os serviços de apoio disponíveis.

A Recomendação sugere, assim, às PME, que contemplem a possibilidade de obter financiamento da transição para os seus investimentos relacionados com a transição, como por exemplo as novas tecnologias verdes, as tecnologias facilitadoras ou as políticas de aprovisionamento ecológico (por exemplo, as energias renováveis). É, designadamente, sugerido que as empresas de maior dimensão colaborem com as instituições de financiamento para oferecer condições de financiamento e/ou de aquisição favoráveis aos seus parceiros da cadeia de valor que necessitem de financiamento da transição, em especial às PME de setores relevantes para a transição.

Ainda quanto às PME, é apresentada a possibilidade de serem oferecidas soluções de financiamento específicas, proporcionadas e adequadas, no âmbito das quais os intermediários financeiros e os investidores são convidados a aplicar o princípio da proporcionalidade nas suas relações com as PME, não devendo solicitar-lhes mais informações do que o necessário. Os intermediários financeiros e os investidores são ainda incentivados a oferecer programas de educação e sensibilização, serviços de assessoria ou ferramentas baseadas na Web para ajudar as PME a aumentar a sua sensibilização para os riscos e para as oportunidades da transição.

É sugerida a possibilidade de os intermediários financeiros e dos investidores oferecerem, além das soluções acima referidas de concessão de empréstimos e de outros instrumentos de financiamento a utilizar pelas empresas, outras soluções de financiamento específicas para a transição a empresas ou projetos com necessidades significativas de financiamento da transição, bem como de criação de incentivos para fomentar um bom desempenho das empresas em relação às suas metas de transição.

Por fim, a Recomendação incentiva os intermediários financeiros e os investidores a estabelecer uma política de comunicação com os clientes e empresas em cuja transição se está a investir que seja direcionada à apresentação das estratégias de financiamento e respetivas condições de elegibilidade.

 

  • Apreciação Crítica 

Em síntese, a Recomendação apresenta um âmbito subjetivo de aplicação maximalista, ao distribuir recomendações a uma gama muito diversificada de instituições: como vimos, fá-lo às empresas em geral, aos intermediários financeiros e investidores, às PME, aos Estados-membros e às autoridades de supervisão. Em resultado, a Recomendação oscila entre, de um lado, um tom excessivamente genérico (v.g. no tratamento das soluções de financiamento específicas para a transição) e, de outro lado, um registo pouco realista (nomeadamente quando repousa a solução do tema na oferta de condições de financiamento mais favoráveis pelas instituições financeiras e nos programas de educação, sensibilização e assessoria a cargo de intermediários financeiros).

É certo que um dos enfoques principais do documento reside na importante recomendação de credibilidade dos planos de transição e dos objetivos que lhe estão subjacentes. Todavia, esperar-se-ia mais desta Recomendação sobretudo no âmbito das indicações a dirigir a PME, onde estão a sentir-se dificuldades mais agudas de adaptação ao processo de transição para a neutralidade carbónica.

 

Paulo Câmara | pc@servulo.com

Isabel Guimarães Salgado | mis@servulo.com



[1] Definidos na Recomendação como “aspetos da estratégia geral da empresa que estabelece as metas e ações da entidade para a sua transição para uma economia sustentável e com impacto neutro no clima, incluindo medidas como a redução das emissões de gases com efeito de estufa, em consonância com o objetivo de limitar as alterações climáticas a 1,5 °C”.