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A emergência climática na execução da Lei de Bases do Clima

SÉRVULO PUBLICATIONS 18 Jan 2022

1. A recente Lei de Bases do Clima Lei n.º 98/2021, de 31 de dezembro - fixou como meta a neutralidade carbónica do Estado Português até 2050. Mas a ambição claramente assumida é maior: a antecipação do cumprimento da meta para 2045, à semelhança do previsto noutros países da europa (como é o caso do Climate Act na Suécia).

2. A meta mais próxima, e mais desafiante, é a da redução das emissões de gases de efeitos de estufa em 55% até 2030 que se pretende que seja propulsionada pelos denominados instrumentos de política climática.

Entre os vários instrumentos de política climática, a lei prevê os instrumentos de planeamento e avaliação, que se concretizam na aprovação de “Orçamentos de Carbono”, até o final de 2022 - no Reino Unido esses orçamentos quinquenais para o carbono já estão definidos até 2032 -, bem como na elaboração e aprovação de planos setoriais de mitigação das alterações climáticas.

Outras medidas inovadoras surgem no âmbito dos instrumentos económicos e financeiros, que vão desde a criação de deduções fiscais para sujeitos que adquiram bens e serviços ambientalmente sustentáveis, o “IRS verde”, até à criação de benefícios fiscais para quem demonstre poupança no consumo de água. A par das preocupações climáticas no governo das instituições privadas, o legislador pretendeu que o Estado pudesse dar o exemplo com os “Programas de Descarbonização da Administração Pública”.

Quanto aos instrumentos de política setorial do clima, o legislador prevê a proibição da utilização de gás natural de origem fóssil para a produção de energia elétrica, a partir de 2040 e da outorga de novas concessões de prospeção ou exploração de hidrocarbonetos. No setor dos transportes, o Estado incentiva a aquisição e utilização de veículos elétricos, desenvolve uma rede pública de carregamento de veículos elétricos e estabelece a data de 2035 para o fim da comercialização de novos veículos ligeiros movidos exclusivamente a combustíveis fósseis. No âmbito concreto dos materiais e consumo, prevê-se o fomento da economia circular, bem como, a adoção de sistemas de incentivo e de tara retornável de resíduos de embalagens até 2025.

3. Entre as várias novidades, a Lei de Bases do Clima reconhece a todos os cidadãos o direito ao equilíbrio climático que consiste no “direito de defesa contra os impactos das alterações climáticas, bem como no poder de exigir de entidades públicas e privadas o cumprimento dos deveres e das obrigações a que se encontram vinculadas em matéria climática”. Este direito parece apresentar-se como base conformadora dos demais direitos (e deveres) em matéria climática, que a Lei de Bases do Clima também prevê. É o caso do direito de exigir de entidades públicas ou privadas o cumprimento dos deveres e das obrigações a que se encontram vinculadas em matéria climática, nomeadamente, o direito a se “pedir a cessação imediata da atividade causadora de ameaça ou dano ao equilíbrio climático”. Embora seja positivo notar que este direito a “pedir a cessação imediata” das atividades que ameacem ou causem dano ao “equilíbrio climático” é expressão de uma preocupação em atribuir à cidadania um papel ativo no esforço comum pela proteção do clima, certo é também que a amplitude jurídica e semântica dos recém-legislados conceitos deixa grande margem de criação na sua aplicação prática pelos operadores económicos e, em última análise, pelos tribunais.

Num plano mais geral, a Lei de Bases do Clima reconhece “direitos em matéria climática”, designadamente, os direitos de intervenção e participação dos procedimentos administrativos relativos à política climática, bem como a garantia da tutela plena e efetiva dos direitos e interesses legalmente protegidos em matéria climática, incluindo o direito de ação para defesa de direitos subjetivos e interesses legalmente protegidos e para o exercício do direito de ação pública e de ação popular e o direito a promover a prevenção, a cessação e a reparação de riscos para o equilíbrio climático. Esta vertente de tutela procedimental e processual dos “novos” direitos revelar-se-á fundamental para a efetivação do novo paradigma inaugurado pelo legislador.

Assim, só com o acompanhamento da evolução do estado da arte da jurisprudência na aplicação deste diploma se poderá perceber se as garantias (substantivas, procedimentais e processuais) atribuídas por esta lei são ou não satisfeitas, no quadro da prossecução do seu desígnio de defesa do clima, de reposição do equilíbrio climático e, de um modo geral, de superação da situação de emergência climática presentemente vivida.

4. Por fim, nota-se que o período de tempo concedido para a concretização da Lei de Bases noutros diplomas e instrumentos normativos pode revelar-se excessivamente longo para uma situação como a presente, de reconhecida emergência climática.  O tempo de um ano legislativo não é o tempo de um ano climático.

Em todo o caso, a Lei de Bases relega para o final de 2022, o dever de o Governo (i) apresentar um relatório onde identifica os diplomas em divergência com as metas definidas para o efeito de poderem ser, posteriormente, alterados como o Código de Contratos Públicos ou o Código das Sociedades Comerciais, (ii) regulamentar a matéria de partilha de informação sobre a integração do impacte e risco climáticos na construção de ativos financeiros e (iii) rever as normas que regulamentam a concessão, prospeção e exploração de hidrocarbonetos. Até o final de 2023, deverão ser aprovados os planos setoriais de mitigação e adaptação às alterações climáticas e, a nível local e regional, a aprovação do plano municipal/regional de ação climática pelos municípios e CCDR.

Deste modo, resta-nos aguardar que, na futura execução da Lei de Bases do Clima, o legislador garanta o equilíbrio entre a urgência das alterações climáticas e os novos desafios técnico-económicos colocados aos cidadãos e operadores económicos, na expressão do importante reconhecimento que faz ao papel da “cidadania climática”.

Ana Luísa Guimarães | alg@servulo.com

João Tomé Pilão | jtp@servulo.com

João Abreu Campos | jac@servulo.com

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